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Minhas 60 melhores partidas, de Bobby Fischer.

Meu primeiro contato com esse livro foi nos anos 1980, eu havia vencido um torneio em que, além do prêmio em dinheiro e do troféu, podia escolher um livro. Entre as opões, havia um livro com “todas” as partidas de Bobby Fischer (741, se não me engano) e este com as 60 melhores. O livro com “todas” as partidas não tinha comentários. Dei uma olhada em ambos e escolhi o livro com todas... Só alguns anos depois é que acabei comprando o “Mis 60 mejores partidas” e percebi o tamanho do erro que eu havia cometido. A livro com todas era muito bom, afinal eram partidas do Fischer, e um motivos dessa escolha foi porque no “Mis 60 mejores partidas” não constava sua notável vitória contra Donald Byrne, que foi chamada (com um pouco de exagero) “A partida do século”. Mesmo com a ausência dessa partida, teria sido muito mais interessante e útil ter estudado as 60 partidas comentadas do que centenas de partidas sem comentários. Além disso, muitos anos depois, descobri que Fischer tinha mais de 3.000 partidas registradas, e aquele livro que dizia ter “todas” não reunia nem 1/5.

“Minhas 60 melhores partidas” é um dos maiores clássicos da literatura enxadrística. Alguns jogadores consideram que este seja o melhor livro de Xadrez de todos os tempos, mas acho muito difícil afirmar isso sobre qualquer livro. A coleção do Kasparov “Meus grandes predecessores”, por exemplo, é uma obra prima extraordinária e acho difícil que algum outro possa ser considerado melhor. “Mosaico Ajedrecístico” é um livro fantástico, com proposta diferente destes, o que torna difícil a comparação. “L'Analyse du jeu des Échecs” foi um dos livros mais importantes da história do Xadrez, na época em que foi publicado e durante as décadas seguintes. Portanto há vários livros muito bons de Steinitz, Botvinnik, Dvoretzky, Pachman e outros, o que torna muito difícil sustentar, com bons argumentos, que este ou aquele seja o melhor entre todos. Mas não há dúvida de que este livro do Fischer está entre os melhores e seja um fortíssimo candidato a ser o melhor entre todos.

Quase todas as partidas do Fischer de 1958 em diante são de um nível altíssimo, por isso uma seleção que reúne as 60 melhores entre elas é algo que quase beira à perfeição. Nos anos 1990, um jogador chegou a publicar uma revisão desse livro com o uso de engines, mas logo depois foi publicada uma revisão da revisão, mostrando que em quase todos os casos que ele acreditava ter refutado Fischer, na verdade Fischer estava certo e as engines erradas. Claro que em nosso atual estágio tecnológico, as engines com 3600 de rating acabam apontando falhas reais no jogo de Fischer, mas são poucas, e muitas vezes as melhores engines não conseguem encontrar alguns dos lances que Fischer descobriu de improviso sobre o tabuleiro.

Mas o mais importante não é a perfeição técnica. O mais importante são os comentários profundos e detalhados, a beleza das partidas e o incentivo a conferir as variantes concretas. O fato de as partidas serem tecnicamente extraordinárias é um diferencial, mas o que contribui para o desenvolvimento do leitor são os ensinamentos que ele transmite e o treinamento subjacente à reprodução das partidas e das variantes. Se a pessoa reproduzir cada partida tentando descobrir o melhor lance em cada posição, depois comparar as variantes nas quais havia pensado com aquelas analisadas pelo Fischer, e se comparar os critérios que utilizou para toma sua decisão com os comentários feitos pelo Fischer, certamente dará um salto em sua evolução na compreensão do jogo e em sua capacidade de calcular variantes.

Na época que li esse livro, eu ainda não tinha computador. Meu primeiro computador foi um PC AT 386 DX 40 com 4 Mb de RAM, e ganhei do amigo Oscar Kiyomitsu Kamesu um Chessmaster 3000 para DOS. Era um programa com cerca de 1850 de rating em jogos de 2h e cerca de 2050 em jogos de 25 minutos. Um excelente sparing para treinar e um excelente auxiliar para estudar, que ajudava a revisar algumas combinações, em poucos segundos apontava se havia algum erro tático básico, mas nem se compara às engines atuais. Por isso, mesmo quando passei a dispor de um computador, a única maneira de tenta conferir se as análises do Fischer estavam corretas era pensando e calculando as variantes concretas, e por maiores que fossem os esforços nesse sentido, não parecia haver furo nas análises dele.

Essas tentativas de encontrar furos na análise de qualquer jogador, sem o uso de engines, é um excelente exercício. O Milos costumava analisar as partidas “secas”, sem qualquer comentário, e só depois ele via os comentários dos analistas para comparar com o que ele havia pensado. Por fim, usava engines. Esse método vale para todos os livros, mas é especialmente interessante e produtivo neste livro do Fischer, porque é como “procurar pelo em ovo”. Há erros, há imprecisões, mas são extremamente difíceis de perceber, sobretudo quando se analisa sem o auxílio de engines.

Outro detalhe que eu gostaria de comentar é sobre o aspecto artístico. Neste livro há algumas verdadeiras obras de Arte, como Fischer – Benko 1959, Botvinnik – Fischer 1962, Fischer – Benko 1963, Fischer – Geller 1967 entre outras.

Esta contra Geller é considerada pelo Leitão a melhor partida do livro, embora o Fischer tenha perdido. De fato, é uma partida muito complexa e muito bem jogada. Depois de iniciar uma combinação espetacular, Fischer acaba não encontrando os melhores lances e deixa escapar a vitória, mas ainda assim é uma partida muito emocionante e de grande interesse. Aliás, este é outro ponto importante a destacar. Fischer não selecionou para este livro suas melhores vitórias, mas sim suas melhores partidas, inclusive 3 derrotas e 9 empates. Se considerar que Fischer teve escore negativo contra Geller e Tal, acho bastante justo que nesta seleção estejam presentes uma de suas derrotas contra cada um destes. Se bem que, no caso de Tal, o escore negativo se deve ao fato de ter perdido por 4x0 no torneio de candidatos de 1958, quando ainda tinha apenas 15 anos, e acabou não revertendo por completo este escore em sua vida adulta.
Além da qualidade das partidas e das análises, antes de cada partida há uma pequena introdução, que é a cereja do bolo. São breves comentários divertidos e informativos feitos por seu amigo, o GM Larry Evans, antes de cada uma das 60 partidas.

Uma advertência: este não é um livro para quem está começando. Os comentários são destinados a jogadores avançados, que já estão familiarizados com os principais conceitos estratégicos e com o jargão da área. Por isso, para compreender razoavelmente o conteúdo, é importante que tenha antes estudado um ou mais dos livros que citei anteriormente, que são destinados a iniciantes e a jogadores intermediários. Se a pessoa já tiver este livro em mãos, estiver muito curiosa, e ainda não tiver estudado os outros, não há problema em ver este, mas será recomendável que volte a estudá-lo no futuro, quando estiver mais preparado para apreciar seu conteúdo. Entre as partidas que citei acima, por exemplo, Botvinnik – Fischer não é uma partida com grandes combinações, mas sim uma lenta luta estratégia que entra num final de Torres e Peões, cuja beleza só será percebida se a pessoa já tiver uma boa base sobre como conduzir esse tipo de finais, sem a qual não conseguirá enxergar as nuances do que está acontecendo.

Nas próximas análises, pretendo comentar alternadamente sobre livros para iniciantes e para jogadores mais avançados. Aos poucos, pretendo focando mais nos livros para jogadores avançados. Ao pessoal que está começando e não viu minhas análises anteriores, é recomendável que veja, para acompanhar melhor a sequência.

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