Esta pergunta foi feita a Jack Schwager, autor da trilogia “Market Wizards”, que consiste numa compilação de entrevistas com top traders.
Hoje, ao acessar o Linkedin, constatei que Schwager havia publicado sua resposta a esta pergunta:
Embora Schwager seja uma autoridade como escritor e um respeitado homem de negócios, a resposta que deu a esta pergunta é trivial e errada. Quase todas as pessoas respondem a esta pergunta da mesma maneira que ele, e é incrível que não façam uma avaliação crítica sobre a declaração que estão fazendo e a adequação desta declaração à realidade.
Uma analogia com o Xadrez proporciona uma ideia didática sobre esta questão:
Nos primórdios do Xadrez, cada jogador tinha seu estilo, alguns mais agressivos, outros mais defensivos. Alguns preferiam posições mais abertas, outros preferiam mais fechadas. Como o nível de jogo era baixo e cometiam muitos erros muito graves, havia uma larga margem para que jogassem aquilo que queriam, conforme suas personalidades, estilos e vontades.
De acordo com Edward Lasker, o Xadrez é o assunto sobre o qual existe maior número de livros publicados. À medida que a compreensão do jogo foi evoluindo e milhões de estudos sobre Xadrez foram publicados, foi-se constatando que havia cada vez menos espaço para o estilo pessoal e cada vez mais era necessário jogar conforme as exigências da posição.
Como o Xadrez é um jogo discretizado em “grânulos grandes”, existem posições nas quais 3 ou 4 lances diferentes dão mate, portanto são de igual eficiência, e nestes casos a escolha é uma questão de estilo. Mas são exceções. Na maioria dos casos existem motivos objetivos para escolher um lance em vez de qualquer outro, independentemente de qual seja o estilo do jogador.
No século XV, havia maior quantidade de alternativas que eram aceitas como “boas”. Greco, no século XVII, revolucionou a compreensão que se tinha do Xadrez e afunilou o número de alternativas que podiam ser consideradas boas. No século XVIII, Philidor filtrou ainda mais, reduzindo substancialmente o número de lances que seriam aceitáveis em determinadas posições e que poderiam ser escolhidos conforme o estilo de cada um, deixando claro que alguns lances não eram questão de estilo, mas sim erros ou imprecisões que deveriam ser evitados.
No século XIX, Steinitz foi um separador de águas e alcançou um patamar em que já se percebia que o estilo pessoal era de importância secundária. Não importa se o jogador é agressivo ou defensivo, ele não pode sair atacando, se não houver elementos na posição que permitam isso. Ele precisa adequar seu estilo às exigências da posição. A partir de Steinitz, esta percepção foi se consolidando cada vez mais.
No Xadrez Postal, em que se analisa cada posição durante vários dias, percebe-se claramente que, numa análise preliminar, uma posição parece oferecer 10 ou 12 lances igualmente bons, sendo a escolha uma questão de estilo. Depois de se aprofundar na análise de cada uma das 12 alternativas, em poucos minutos já se percebe que 5 ou 6 eram ruins e devem ser descartadas, por motivos que não eram evidentes à primeira vista, mas mediante um estudo mais meticuloso, revelam suas debilidades e inconsistências, reduzindo o número de alternativas realmente boas a cerca de 5 ou 6. Depois de algumas horas de análise, mais 2 ou 3 lances são descartados. Depois de alguns dias de análise, geralmente percebe-se que há apenas 1 alternativa realmente boa. Portanto a ilusão de que havia 10 ou 12 alternativas e que a escolha era uma questão de estilo, decorre da superficialidade da análise. Basta se aprofundar para encontrar critérios objetivos que indiquem a melhor alternativa, que independe do estilo.
No final do século XX e início do século XXI, a Ciência da Computação ultrapassou de longe o nível que se podia alcançar com jogo especulativo e idiossincrático dos humanos, que jogam de acordo com suas vontades, seguindo seus estilos pessoais. Em Música, Literatura, Pintura, há liberdade para que cada um desenvolva seu próprio estilo, mas em Ciência, Xadrez, Finanças, a liberdade diminui substancialmente.
Num universo regido por leis naturais, quem puder compreender melhor estas leis e se adaptar a elas, aumenta suas probabilidades de sucesso.
É um erro pensar que a liberdade é sempre algo positivo. Nossos ancestrais pré-históricos, que morriam de fome aos 17 anos, cheios de doenças e ferimentos, sem dentes, passavam a vida se escondendo de feras, exploravam muito a liberdade que tinham, faziam o que queriam, e arcavam com as consequências.
À medida que os humanos se organizaram em grupos cada vez mais complexos, com divisão de tarefas, assumindo responsabilidades, privando-se de certas liberdades em troca atingirem objetivos mais importantes, sujeitando-se a obedecer Leis, a qualidade de vida de todos foi melhorando. Mesmo as pessoas modernas que vivem em regiões com pior qualidade de vida, ainda desfrutam condições muito melhores que nossos ancestrais de 40.000 anos atrás.
Os humanos foram compreendendo que para conseguir algo que desejavam muito, era necessário renunciar a algo que desejavam menos. Uma grande recompensa futura justificava um sacrifício menor imediato. Dedicar algum tempo a uma tarefa indesejada e tediosa, como construir uma lança, ajudava a obter mais comida e desfrutar vantagens maiores do que o pequeno empecilho de construir a lança.
Um dos grandes erros na educação atual é dar liberdade excessiva a crianças e adolescentes, sem que eles tenham discernimento e experiência suficientes para tomar decisões razoáveis. Como resultado, o vício em drogas e a gravidez na adolescência são apenas dois dos efeitos decorrentes do excesso de liberdade.
Há uma frase que diz: “a liberdade de cada um termina onde começa a do seu próximo”. Não é apenas isso. A liberdade também termina no ponto em que existem leis naturais e no ponto em que tangencia as exigências de conduta para que seus objetivos sejam alcançados.
Isso não significa que se deva renunciar à liberdade de forma absoluta, isso seria um contrassenso. O importante é compreender que a liberdade para fazer tudo que se deseja pode ter consequências muito indesejáveis. As pessoas que alcançaram maior sucesso na história foram aquelas que souberam renunciar à liberdade de fazer o que gostariam, e fizeram aquilo que era necessário.
As máquinas não têm esse problema com liberdade. Buscam sempre os lances que são objetivamente mais fortes, e há mais de 10 anos não existe nenhum humano no mundo capaz de vencer o melhor computador de Xadrez.
Em 2004 as melhores máquinas tinham 2850 de rating e os melhores humanos 2800. Agora as melhores máquinas tem 3400 enquanto os melhores humanos continuam abaixo de 2900. A tendência é de que a diferença entre as máquinas e humanos só aumente nos próximos anos.
Não importa quem é o adversário, seu estilo, suas preferências. A máquina não joga contra o adversário. Ela analisa a posição e procura o lance que melhor satisfaz às exigências daquela posição. O nível alcançado com este procedimento é tão alto que se o campeão mundial humano (Carlsen) for colocado para jogar com o número 1 no ranking de computadores (Stockfish), o humano com 2 horas e o computador com 2 minutos, as probabilidades de vitória são favoráveis ao computador.
Embora nos níveis mais baixos o Xadrez possa ser um jogo de “invenção”, nos níveis mais altos ele é um jogo de “descoberta”. Não se tem liberdade para inventar os lances e planos que se quer, de acordo com um estilo ou preferência pessoal. Em vez disso, o correto é analisar a posição, compreender suas particularidades, identificar os elementos mais relevantes que indicam o que a posição requer que seja feito, e encontrar a melhor maneira de fazer o que a posição exige.
A liberdade de estilo é algo que só se aplica quando o número de erros cometidos é muito grande. À medida que os erros se tornam mais raros e menos graves, torna-se cada vez mais necessário “dançar conforme a música”.
No Mercado Financeiro é muito semelhante. Nos níveis mais baixos de habilidade, para ter ganhos nominais de 5% ao ano, 10% ao ano, pode-se eleger entre uma grande variedade de métodos de buy & hold, ou algumas estratégias que sejam adequadas ao estilo pessoal de cada um. Mas para ganhar 40% ao ano, 50% ao ano ou mais, não há liberdade de escolha. É necessário compreender o que está acontecendo em cada cenário e agir de acordo, buscando as melhores soluções possíveis, independente de preferências pessoais.
Então, diferentemente do que diz Schwager em seu artigo, um trader não deve procurar por algum método adequado ao seu estilo. Não é o Mercado que deve se adaptar à vontade e à personalidade de cada trader. É o trader que precisa compreender como funciona o Mercado, adaptar-se às suas regras e atuar conforme as exigências de cada situação.
O Saturno V não foi construído com base em meu estilo ou minhas preferências. Foi desenvolvido com base nas propriedades observadas no Mercado. Não é uma tentativa de forçar o Mercado a se comportar conforme minhas opiniões, mas sim um modelo que se ajusta à maneira como o Mercado se comporta.
Quanto mais baixo o nível, maior é a variedade de alternativas existentes para se fazer as coisas de modo a atender as exigências de qualidade neste nível. Para alcançar níveis de qualidade cada vez mais altos, o número de alternativas vai diminuindo. Quando se chega ao topo, algumas vezes existe apenas uma maneira mais certa de se fazer as coisas, sem margem para preferências pessoais ou estilo.
Tentando ser condescendente, pode-se dizer que Schwager não está de todo errado. Se o estilo da pessoa não for compatível com determinado método e a pessoa não for disciplinada e versátil para se adaptar, ela não conseguirá executar o método e não alcançará bons resultados, mesmo que o método seja eficiente.
Nesse ponto ele tem razão de recomendar que a pessoa procure um método compatível com o estilo dela. E como a maioria das pessoas estaria muito satisfeita ganhando 10% a 12% ao ano, há muitos métodos que possibilitam atingir esse nível de ganhos nominais, e as pessoas podem escolher, entre as várias alternativas, quais se ajustam melhor à personalidade delas. Lembrando que o fato de haver métodos que geram 10% ao ano não significa que as pessoas conseguirão estes resultados usando estes métodos. Na verdade, bem poucas no mundo conseguem, porque uma coisa é existe um método que, se aplicado com excelência, possibilita ganhar 10% ao ano, e outra coisa muito diferente é conseguir colocar em prática tal método. Quando se trata de esportes, as pessoas percebem isso melhor, elas sabem que o fato de existirem métodos de treinamento que permitem a algumas pessoas saltar 9 m de distância a ou levantar 400 kg não significa que qualquer pessoa teria condições de aplicar tais métodos, aliás, são bem poucas que conseguem. Não basta aprender o método para aplicá-lo. É fundamental que se tenha também uma série de atributos num nível muito alto.
Na entrevista que Schwager fez com Ed. Seykota, quando lhe perguntou qual conselho ele daria a um trader mediano, que desejasse ganhar dinheiro no Mercado Financeiro, Seykota foi bastante franco: “um trader mediano deve entregar seu dinheiro para ser administrado por um trader excepcional”.
No Xadrez, nos investimentos e na vida há muitas maneiras diferentes de se fazer as coisas "mais ou menos". Porém há poucas maneiras de se fazer as coisas bem feitas, e às vezes só há uma maneira de fazer as coisas certas. Por isso quanto mais a pessoa se permite fazer escolhas baseadas em seu estilo, mais ela tende a se distanciar da excelência. Para atingir os níveis mais altos de performance é imprescindível deixar de lado o estilo e fazer as escolhas que sejam objetivamente melhores. Além disso, é muito importante ter autocrítica e não tentar fazer cirurgias em si mesmo, depois de ler meia dúzia de páginas sobre como operar apendicite. O mais razoável é delegar essa tarefa a um médico capacitado. A maioria das pessoas compreende isso, no entanto não compreendem que operar com sucesso no Mercado Financeiro é muitíssimo mais difícil, requer um nível muito mais elevado de especialização e de aptidões em nível top-mundial. Sem compreender isso, acabam elas próprias tentando operar. O resultado óbvio é o gosto amargo do prejuízo.