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09 de abril de 2016

A ILUSÃO DO TESOURO DIRETO

por Hindemburg Melão Jr.

A compra de títulos do tesouro é uma moda, assim como foi moda comprar ações em 2007­- 2008 e comprar altas pagadoras de dividendos em 2010. E as consequências esperadas para os seguidores da moda também devem ser semelhantes. ​ Em 2007, revistas, jornais e TV faziam reportagens sobre pessoas que haviam ganho 600%, 700% ou mais, aplicando desde 2000 em ações que subiram muito, como Petro e Vale. Uma reportagem analisava os resultados de quem havia usado o FGTS em 2000 para aplicar na Petro, com ganhos muito sedutores. Como resultado dessa massiva propaganda, as pessoas menos esclarecidas, sem compreender o básico sobre o Mercado Financeiro, foram levadas a acreditar que, se havia subido 700% nos últimos 7 anos, então deveria continuar assim nos 7 anos seguintes, ou até mesmo para sempre. ​ Multidões que nunca haviam investido em ações entraram com tudo nesse mercado, e com as quedas de 2008 perderam 70% do que possuíam. Houve depressão, arrependimento, tristeza... mas logo veio a moda seguinte: comprar ações que pagassem altos dividendos. Lírio Parisotto foi um dos difusores dessa crença, ao propagandear, depois da crise de 2008, que não havia perdido nada, porque não vendeu na baixa, ele resistiu “bravamente” e ficou aguardando voltar a subir. ​ Para sorte dele subiu, mas além de sua visão ser ingênua e infundada, é uma prática ilógica e absolutamente incorreta, além de os argumentos serem incorretos. Em 2008 ele perdeu, sim, embora não estivesse visível nos balanços, e em seguida recuperou, por sorte, porque houve todo um esquema artificial do Obama para socorrer os bancos e atenuar a crise. Se Parisotto tivesse adotado os mesmos critérios na crise de 2000, estaria amargando seu prejuízo até hoje, 16 anos depois. ​ Na situação de 1999­2000, assim como em 1907, 1929, 1937 e na maioria das crises, a queda é rápida, enquanto a recuperação é lenta. Em 2008 foi uma exceção, com recuperação quase tão rápida quanto a queda, mas foi uma recuperação artificial. Logo em seguida veio a justiça, e a sorte se transformou em realidade, com perdas prolongadas até hoje, e o prejuízo que Parisotto vem acumulando, em termos reais, é perto de 70%. ​ Em relação à escolha de pagadoras de altos dividendos, Buffett é um dos fortes opositores a esse critério. Não analisarei os motivos novamente, porque já fiz isso num artigo específico sobre este tema. ​ Agora a moda é comprar títulos do tesouro. Até 2012, a poupança era um dos investimentos mais queridos, porque em média cobria a inflação de longo prazo, tinha alta liquidez, não incidiam várias taxas e, com isso, ela produzia um rendimento real superior a CDBs e outras alternativas consideradas mais “profissionais”, mas na prática eram inferiores à modesta poupança. ​ Os cofres públicos estão mal há anos, e piorando, portanto o governo precisa criar mecanismos para tirar mais dinheiro do povo, seja por meio de impostos, multas de trânsito, loterias ou venda de papel. Nos impostos já arrancou mais do que seria tolerável. As loterias e multas geram uma receita comparativamente pequena. Então a venda de títulos do tesouro se tornou um meio interessante para o governo arrancar mais dinheiro do povo. ​ Mas qual a vantagem do governo em “arrancar” o dinheiro e depois devolver com 17% de rentabilidade ao ano? Se a Economia está afundando, de onde virão esses 17% a mais a cada ano? Ou será que o governo poderia não ter a intenção de devolver? Nesse caso, poderia prometer 12%, 17%, 20%, já que a simples promessa não pesa no “bolso” do Estado. ​ Assim, a venda de títulos do tesouro se tornou um caminho promissor para que o governo pudesse levantar fundos, e quanto mais alta a promessa, menor a probabilidade de haver alguma alternativa concorrente no mesmo patamar. ​ Porém a poupança estava agradando o suficiente para que mantivesse os investidores acomodados nela. Então foram mudadas as regras de remuneração da poupança, de modo a forçar uma rentabilidade abaixo da inflação e obrigar os investidores mais instruídos a procurar por melhores alternativas, que pelo menos cobrissem a inflação. Em meados de 2012, a nova poupança entrou em vigor: ​ http://economia.uol.com.br/ultimas­noticias/redacao/2012/05/10/tire­suas­duvidas­sobre­as­novas­regras­da­poupanca.jhtm A partir daí, houve uma evasão da poupança e uma procura por outras alternativas de investimento. Entre o leque de opções, as LCAs e LCIs se tornaram atraentes devido às vantagens tributárias que oferecem, e o tesouro direito passou a ser mais atraente devido à promessa de alta rentabilidade, independentemente de essa promessa ser ou não cumprida. Este é o tema central deste artigo. ​ A forma como os profissionais de Mercado analisam um investimento é geralmente ridícula, e os não profissionais analisam de forma terrivelmente pior. Em minha palestra “Um pouco além do índice de Sharpe”, comento sobre o critérios adotados pelos grandes bancos, grandes fundos e outras instituições financeiras, para avaliar a qualidade de um investimento, aponto as falhas nestes critérios, apresento métodos superiores e justifico porque são superiores. ​ Os melhores profissionais do Mercado, que atuam como diretores e altos executivos nos maiores bancos internacionais, usam os critérios que eu analiso nesta palestra, e aponto as debilidades destes critérios. Os profissionais menos credenciados usam quase os mesmos critérios que os melhores profissionais, porém com menor compreensão do que estão fazendo, ou seja, usam mais mecanicamente as fórmulas, sem entender os conceitos envolvidos e com menos percepção crítica das consequências de suas escolhas, além de não saber porquê devem adotar determinada fórmula em alguns casos, enquanto em outros casos devem usar uma fórmula diferente, o que os leva muitas vezes a usar critérios grosseiramente inadequados e chegar a conclusões muito incorretas. ​ Com isso, fazem muitas péssimas recomendações a seus clientes e leitores, e eles próprios seguem muitas destas recomendações, porque não as fazem de má fé, mas sim por insuficiente compreensão. Como resultado, seus clientes e leitores perdem dinheiro, mas eles próprios também perdem, de modo que não se pode culpá­los muito por recomendarem algo em que eles acreditavam sinceramente que fosse bom. ​ Estou me referindo aqui à recomendações de fundos sérios, com histórico detalhado do equity ao longo de vários anos, ou pelo menos histórico dos balanços. Nestes casos se pode usar o histórico de rentabilidade e de risco para projetar as expectativas futuras de rentabilidade e risco. Mas há também produtos de investimento que não possuem histórico, e vendem promessas de rentabilidade baseada em achismos. Os títulos do tesouro são basicamente isso. ​ Quando o histórico de rentabilidade se baseia no histórico de performance de um investimento, pode­se usar o histórico para estimar os resultados futuros. Porém quando o histórico de rentabilidade é independente da performance, como nos casos de renda fixa, especialmente renda fixa prefixada, debêntures e similares, pode ocorrer de a performance ter sido negativa, mesmo assim o histórico de rentabilidade ter sido positivo, às custas de prejuízo para a instituição pagadora ou para o fundo garantidor ou para alguém que esteja pagando esse prejuízo. ​ Quando a pessoa faz uma aplicação para receber 8% a.a., pré­fixado, não importa se no final do período o banco teve prejuízo de 10%. O banco é obrigado a pagar os 8% prometidos, desde que ele tenha recursos para isso. Quando se trata do governo, em vez de um banco, essa “obrigação” pode não ser honrada, e o governo pode simplesmente dar um calote, e ainda por cima institucionalizar esse calote. ​ Em 1964, por exemplo, o governo brasileiro precisava de dinheiro para modernizar a Eletrobrás, mas não dispunha de meios para arrecadar fundos pelos caminhos “normais”. Então inventaram um empréstimo compulsório, em que o povo é obrigado a se tornar credor (refém) da Eletrobrás e emprestar dinheiro para esta empresa todos os meses, em troca de um documento bonito, chamado “título de crédito”, no qual o governo promete devolver esse dinheiro no futuro. Alguns juristas classificam esses documentos como “debêntures”, mas não tenho certeza se há fundamentos para essa classificação. Isso não vem ao caso. ​ O fato é que estes títulos foram distribuídos aos consumidores de energia elétrica gerada pela Eletrobrás, com a promessa de que futuramente a Eletrobrás devolveria este dinheiro corrigido, e acrescido de 6% de juros ao ano, uma taxa muito generosa e sedutora. Como era um empréstimo compulsório, isto é, o povo não tinha alternativa, o dinheiro lhes era tomado e ponto, então a taxa de 6% a.a. não pode ser classificada como “sedutora”, pois não havia sedução, mas sim coerção. Era uma coerção “generosa”, já que prometia devolver o principal, corrigido monetariamente, ainda acrescido de juros de 6% a.a. ​ Estes títulos continuaram a ser distribuídos por vários anos. A promessa inicial de devolução era em 10 nos. Quando chegou a época de devolver, o governo mudou de ideia: em vez de devolver, tomou mais dinheiro do povo “emprestado”, e isso foi se repetindo até os anos 1990, época em que foram inventados novos meios de tomar dinheiro do povo, como o confisco da poupança. ​ Como nos anos 1990 os títulos da Eletrobrás deixaram de ser emitidos, e muitos credores já haviam morrido sem receber, os papéis com as promessas de devolução foram ficando para herdeiros, que muitas vezes não sabiam o que fazer com aquilo. Alguns tentaram receber o dinheiro, e tiveram surpresas muito desagradáveis. Nestes 30 anos, foram colocados em circulação MUITOS títulos, e ao computar os juros de 6% a.a., o volume de papéis em circulação ultrapassava R$ 25 bilhões (em 2007). A Eletrobrás simplesmente não teria como honrar essa dívida. Então o governo aproveitou­se da Lei que determina prescrição vintenária de alguns títulos, quinquenária de outros, e decretou que aqueles eram “títulos podres”, prescritos, e que a dívida não deveria ser honrada, assim os credores levaram o calote. ​ Não importa quais os dispositivos legais usados para justificar o calote. Mesmo que não houvesse leis que apoiassem isso, provavelmente as leis seriam inventadas, já que o dinheiro para ser devolvido não existia, ou melhor, existia, mas o governo não pretendia devolver. ​ A história é bem mais longa e complexa do que isso. Houve muitos escritórios de advocacia tentando usar os títulos para compensação com dívidas do INSS, COFINS e outros tributos federais, sob alegação de que o governo era devedor solidário da Eletrobrás. Algumas empresas que estavam fechadas por atrasos no pagamento de tributos federais (ou até estaduais), foram reabilitadas por algum tempo, graças à compensação temporária da dívida que tinham com o governo pela dívida que a Eletrobrás tinha com estas empresas portadoras daqueles títulos da Eletrobrás. Mas logo o governo “deu um jeito” e passou a punir com pesadas multas as empresas que tentassem usar os títulos do empréstimo compulsório para cancelar dúvidas com o governo. A simples tentativa de receber o dinheiro devido já era punida! ​ Além dos títulos da Eletrobrás, também foram emitidos títulos semelhantes da Petro e Vale, títulos da dívida pública e outros. Surgiram vários escritórios jurídicos especializados em reabilitar temporariamente empresas que estivessem muito endividadas com INSS. Os papéis eram comercializados pelos escritórios jurídicos por 1% do valor de face, 0,1% ou até menos. Entravam na justiça sabendo que perderiam, mas pelo menos ganhavam algum tempo para manter a empresa em atividade durante o julgamento. Não sei exatamente quais relatos verbais sobre esse assunto são verídicos, mas algumas das empresas que supostamente teriam usado os títulos para protelar pagamentos ou reabilitar a empresa foram Odebrecht, Casas Pernambucanas (que teria sido multada pesadamente em seguida), Somesb (que teria ganho 12 anos com este recurso), Ourocred etc. ​ Ou seja; houve mais de 99% de desvalorização dos papéis, em alguns casos mais de 99,9%, isso quando conseguiram judicialmente receber algo. Na maioria dos casos, a perda foi total. ​ Agora o governo vende a promessa de rentabilidade nominal de até 17% ao ano, por meio dos títulos do tesouro direto, para supostamente devolver, depois de algumas décadas, o principal acrescido dos ganhos. Os resgates antecipados podem implicar rentabilidade menor que a projetada, maior IOF etc. Mesmo assim, multidões estão entrando nisso, como gado caminhando para o abatedouro. ​ É possível que o governo realmente devolva algo, talvez até devolva o prometido, mas é um risco incalculável. O governo tem a faca e o queijo na mão, e um longo e sujo histórico de corrupção. É inacreditável que tantas pessoas confiem num governo com este perfil, especialmente com o vasto histórico de calotes nas décadas recentes. ​ Alguns acham que o governo não faria algo tão absurdo quanto dar calote nestes títulos. :) O confisco da poupança foi um evento surpreendente e inimaginável, e certamente ninguém esperava que tal coisa ocorreria em algum lugar do mundo em qualquer época. Portanto não se deve subestimar a criatividade do governo para inventar mecanismos com a finalidade de tomar dinheiro da população. ​ Quando a pessoa compra estes títulos, ela está implicitamente dizendo que confia tão profundamente e cegamente no governo a ponto de entregar seu dinheiro acreditando na promessa de receber de volta décadas depois, e com uma taxa de rentabilidade muito acima do mercado, uma promessa muito semelhante à que foi feita na época em que foram distribuídos os títulos da Eletrobrás. ​ É basicamente isso que tenho a dizer sobre os títulos do tesouro. Devo acrescentar que não sou especialista em vários dos tópicos abordados aqui, e algumas informações podem não ser exatas. Não conheço muito da área jurídica, mas convivi diariamente, quase 1 ano, com pessoas que trabalharam com os títulos da Eletrobrás, recuperando empresas que tinham grandes dívidas com o INSS, e as conversas com estas pessoas relevavam fatos tão surreais que várias vezes pesquisei no Google para conferir, e geralmente todos os detalhes estavam corretos, eventualmente com alguns pontos polêmicos. Por exemplo: a Eletrobrás não reconhece a dívida, mas declara que, caso a dívida existisse, o valor total seria de poucos reais, em vez de dezenas de bilhões de reais, e apresenta alguns cálculos. :) ​ As alegações da Eletrobrás chegam a ser um insulto à inteligência das pessoas, porque uma empresa que passou 30 anos cobrando mensalmente 15% de empréstimo sobre o valor de cada conta de energia, e prometendo devolver corrigido e com 6% de juros ao ano, qualquer pessoa pode calcular a ordem de grandeza do valor. São 200 milhões de brasileiros (cerca de 80 milhões em 1964), pagando contas de dezenas ou centenas de reais a cada mês, portanto centenas ou milhares de reais a cada ano, durante 30 anos. Vendo sob este prisma, eu diria que os $ 25 bilhões em circulação são na verdade uma pequena fração do valor total devido, e que boa parte dos títulos se perderam, foram comidos por traças etc. ​ Portanto, independentemente da exatidão das informações que me foram repassadas, o fato é que existe um risco muito grande na aplicação de títulos federais, muito maior do que os investidores imaginam. Não estou afirmando que o governo dará o calote, nem que o governo esteja premeditando isso. Mas estou apresentando alguns fatos sobre calotes praticados pelo governo, e deixando a critério de cada um a avaliação sobre os riscos de que o governo tenha maiores ou menores escrúpulos no futuro. ​



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