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20 de janeiro de 2024

A GRANDE MENTIRA QUE SE REPETE HÁ MILHARES DE ANOS – PARTE 1

por Hindemburg Melão Jr.

INVESTIMENTOS × ESPECULAÇÕES



Você não sabe o que é “investimento” e o que é “especulação”. Mas provavelmente você acha que sabe. Nesse artigo, você terá a oportunidade de aprender os critérios corretos para distinguir o que é um “investimento” do que é uma “especulação”, uma abordagem inovadora e única que esclarece os verdadeiros significados dessas palavras e a importância de diferenciar um do outro.

 

INTRODUÇÃO

 

Sábado, 30 de maio de 1674. Comprei dois vômitos, de Whitchcot e de uma criança.”

“Domingo, 31 de maio de 1674. Bebi vômito da criança e recebi infusão.”

 

Esses são dois registros reais extraídos do diário pessoal de Robert Hooke, um dos maiores cientistas da história. Geralmente Hooke é lembrado por sua rivalidade com Isaac Newton sobre as teorias da luz e da Gravitação, mas além desses trabalhos ele também prestou numerosas e importantes outras contribuições à Física, Engenharia, Microscopia, Astronomia, Mecânica, Paleontologia, Relojoaria etc.

 

Nossa proposta não é falar sobre Hooke, mas sim mostrar que naquela época, assim como hoje, alguns campos do conhecimento estavam muito desenvolvidos, como eram os casos da Matemática, Física, Arquitetura e Engenharia, enquanto outros campos estavam imersos na mais profunda ignorância.

 

Em 1674 já se conhecia o tamanho de nosso planeta com 99,9% de acurácia, já se sabia da existência de satélites em torno de Júpiter e Saturno, inclusive eram conhecidos os períodos orbitais desses satélites, já se sabia o valor de π com precisão de 99,99999999999999% (16 decimais corretas), já se sabia da existência de micróbios, seus tamanhos e formas, já se conseguia medir as distâncias aos planetas, a velocidade da luz, a pressão atmosférica e muitas outras coisas sobre Física e Astronomia, porém ainda se acreditava que beber vômito poderia curar determinadas doenças.

 

A humanidade não evolui no mesmo ritmo em todos os campos do conhecimento, e a Economia é um dos campos científicos mais atrasados e mais mal compreendidos. Daqui a alguns séculos, grande parte das crenças econômicas que se tem hoje serão consideradas tão bizarras quanto beber vômito ou introduzir fumaça no canal retal com um enema (ilustração abaixo).

 

 

Um dos erros bizarros na Economia é a distinção que se costuma fazer entre os significados de “investimento” e “especulação”.

 

No Google, na Enciclopédia Britânica, no Researchgate, no acervo de qualquer grande universidade, todos os textos e todos os autores que tratam desse assunto dão explicações semelhantes, e todas elas erradas, sobre o que distingue “investimento” de “especulação”.

 

A visão generalizada que se tem sobre o que é um investimento e o que é uma especulação é tão nonsense quanto beber vômito; e assim como beber vômito é prejudicial à saúde, esse entendimento errado também traz muitas graves consequências. Essa situação é especialmente preocupante porque até mesmo ganhadores de prêmios Nobel em Economia não distinguem corretamente o que é um investimento do que é uma especulação.

 

HERMENÊUTICA NO MERCADO FINANCEIRO

 

O problema maior não está nos significados das palavras, mas sim no fato de que essas palavras induzem as pessoas a fazerem escolhas grosseiramente incorretas. As pessoas geralmente se baseiam muito mais em rótulos do que em fatos, porque é muito mais fácil ler um rótulo e reagir por instinto, sem pensar, do que analisar e compreender um fato.

 

Se um rótulo diz “alto risco” e outro diz “baixo risco”, a maioria das pessoas escolhe o “baixo risco” sem pensar, sem se questionar se esses rótulos são honestos e acurados, se representam corretamente as reais características.


EXPERIMENTOS ASSUSTADORES SOBRE A IMBECILIDADE HUMANA


Já foram realizados milhares de estudos nos quais enólogos profissionais foram colocados para avaliar vinhos em garrafas trocadas – os vinhos mais caros eram colocados em garrafas com rótulos de vinhos baratos e vice-versa –, então os vinhos eram apresentados aos especialistas para que eles os avaliassem. O resultado é que os especialistas atribuíam notas maiores aos vinhos baratos colocados em garrafas de marcadas caras. Eles sentiam o aroma, o sabor, mesmo assim o julgamento era predominantemente baseado no rótulo.

 

Experimentos similares com queijos e café produziram resultados equivalentes. Pior do que isso: experimentos onde profissionais de RH de grandes empresas fizeram entrevistas com profissionais de áreas performáticas, nas quais as produções deles eram medidas de forma objetiva e sabia-se quais eram os mais produtivos e competentes. Esses profissionais se apresentaram aos responsáveis pelo RH da maneira como habitualmente faziam, relatavam com honestidade seus resultados, seus históricos etc., exceto por um detalhe: os profissionais com melhores resultados se apresentavam na entrevista com roupas modestas, amassadas, cabelo descuidado, enquanto os profissionais com menores performances se apresentaram impecavelmente vestidos, barbeados e penteados. Ao final do processo seletivo, todos os menos qualificados foram contratados, enquanto todos os mais capacitados foram dispensados, porque os profissionais de RH se baseavam muito mais nas roupas e no cabelo do que na real competência das pessoas.

 

Poderia prosseguir com vários outros exemplos desse tipo, que mostram quanto as pessoas se impressionam facilmente com rótulos e quanto não são capazes de julgar corretamente a competência real. Mas citarei apenas mais um, para contratação de redatores, em que o autor do estudo elaborou 200 currículos inventados, para preencher 100 vagas: em 100 ele citou credenciais acadêmicas elevadas, como pós-doutorado fellow em línguas, fluência em 6 idiomas etc., mas no próprio texto do currículo ele cometeu intencionalmente vários erros básicos de gramática, ortografia, coerência etc. Enquanto nos outros 100 ele redigiu cuidadosamente e organizou bem cada currículo, mas as credenciais que ele citava eram mais modestas. Obviamente para a função de redator não se poderia contratar alguém que comete erros de gramática numa peça tão importante quanto o próprio currículo. Entretanto, o resultado foi novamente assustador: 38% dos que continham erros, mas diziam ter credenciais elevadas, foram contratados. Apenas 11% do outro grupo foram contratados (os demais contratados foram pessoas que não faziam parte do experimento).

 

Há muitos estudos desse tipo, que apresentam resultados análogos a estes, deixando evidente que a grande maioria das pessoas não faz julgamentos com base nos fatos, mas sim com base em rótulos, aparências, preconceitos, estigmas e outros vícios cognitivos.


AS CONSEQUÊNCIAS DE SE BASEAR EM RÓTULOS, SEM ANALISAR OS FATOS


Em 1998, o Yahoo e o Alta Vista eram os principais sistemas de busca usados no mundo. O Yahoo recebeu uma oferta para comparar o Google pela bagatela de $ 1 milhão. Mas o Google era uma empresa pequena, de dois jovens desconhecidos. O Google não tinha um bom rótulo, embora tivesse o melhor produto do mundo naquele nicho.

 

Como resultado, o Yahoo recusou. Nas décadas seguintes, os proprietários do Yahoo tiveram muito tempo para se arrepender...

 

Esse episódio é repetido em milhares de notícias, livros, vídeos, sites e outras fontes, mas a análise que fazem é rasa e distorcida. A maioria nem sequer analisa, apenas repetem essa história como uma curiosidade aleatória.

 

Entretanto há duas lições muito importantes a serem extraídas daí, lições que estão sendo reveladas aqui, pela primeira vez, lições que você não encontra em nenhuma outra fonte, simplesmente porque as pessoas não compreendem corretamente os fatos que ocorrem diante de seus narizes.

 

Analisando racionalmente os fatos, o que precisamos compreender é que o Yahoo – assim como outras grandes empresas – sempre recebeu milhares de propostas o tempo todo, geralmente péssimas propostas, que precisam ser rapidamente descartadas. Seria um erro perder tempo agendando reuniões ou considerando a possibilidade de negócio para cada uma das propostas recebidas.

 

As grandes empresas precisam ser rápidas em descartar propostas ruins, mas não podem deixar passar as propostas boas, e menos ainda as propostas excelentes e excepcionais. Analisar com base em rótulos é muito mais rápido do que analisar com base em conteúdo, por isso equipes menos competentes preferem analisar com base em rótulos, acertando a maioria, já que a maioria das propostas é ruim, porém falham ao descartar junto algumas das melhores propostas.

 

A proposta do Google não era ruim. Era excepcionalmente boa. Entretanto, o Yahoo dispensou o Google, assim como dispensou milhares de propostas ruins junto, e o Yahoo acertou em mais de 99,9% das decisões.

 

O erro envolvendo o Google é o caso que se tornou famoso, mas as mídias não citam os 99,9% de acertos do Yahoo em descartar propostas que realmente deveriam ser descartadas. Quando as mídias citam esse caso isolado, fora do contexto, a interpretação fica distorcida e leva a inferências incorretas.

 

A sugestão implícita transmitida pelas mídias que contam essa história é de que o Yahoo deveria ter comprado o Google, assim como o João das Couves que foi oferecer um novo tipo de sabonete à Gessy Lever deveria ter recebido mais atenção. Esse pensamento raso está errado! A pessoa que lê esse tipo de bobagem, se identifica com a situação do Sergey e do Larry, porém na verdade a pessoa geralmente é mais semelhante ao João das couves. E as empresas estão cientes disso.

 

As empresas sabem que a grande maioria que surge com alguma proposta é constituída por malucos com síndrome de Dunning—Kruger, que pensam ter descoberto algo grandioso, mas não passam de ideias vazias e inexequíveis. Pouquíssimos chegam às empresas com propostas realmente valiosas, que merecem ser examinadas.

 

O erro do Yahoo, e de muitas outras grandes empresas, é não estar preparado para identificar corretamente essas exceções, porque são essas exceções que produzem as próximas revoluções científicas, tecnológicas, econômicas, sociais, políticas, educacionais, e ter a oportunidade de participar diretamente numa dessas revoluções é algo que não pode ser desperdiçado.

 

Sergey e Larry chegaram com uma proposta interessante, enquanto os Joãos das couves chegam com conversa fiada. A postura da empresa de recusar a conversa fiada é correta e necessária, mas recusar a proposta interessante sem se aprofundar é um erro de consequências incomensuráveis.

 

As pessoas analisam incorretamente essa história do Yahoo e Google, contaminadas por anacronismos e descontextualizações. As pessoas pensam “O Yahoo deveria ter aceito porque o Google se tornou um gigante maior do que o Yahoo”. Esse pensamento não faz o menor sentido, porque está se apoiando numa informação que não existia na época em que a oferta foi feita.


A análise correta é que o Yahoo deveria ter uma equipe capacitada para avaliar novos negócios (o que praticamente nenhuma empresa tem, nem mesmo as maiores). Com isso, deveriam fazer uma análise progressivamente mais ramificada e aprofundada de cada proposta que recebessem, e então tomar as decisões. Se tivessem feito isso, descartariam rapidamente as propostas sem valor (logo na primeira camada de filtragem) e dedicariam mais tempo às análises das propostas mais interessantes. Desse modo, teriam boas chances de perceber os diferenciais técnicos na maneira como o Google fazia as buscas e, ao ponderar sobre o potencial de lucro e o baixo investimento que fariam, muito provavelmente aceitariam.

 

O erro do Yahoo não foi porque recusaram comprar por $ 1 milhão uma empresa que 10 anos depois valia $ 400.000 milhões, pois não havia como saber isso em 1998.

 

O erro foi por não terem usado corretamente as informações disponíveis em 1998, que eram suficientes para prognosticar um grande lucro. Hoje é óbvia a posição de sucesso do Google, mas naquela época era necessário uma análise profunda e bem fundamentada, que teria sido suficiente para evitar o erro. Não havia como saber se o lucro seria de 1000% ou 100000% ou mais. Não era necessária uma previsão exata do tamanho dos ganhos. Bastava compreender que os ganhos seriam muito grandes, porque uma análise responsável da situação era suficiente para fazer prognósticos extremamente favoráveis.

 

O erro principal, portanto, foi não ter analisado as vantagens do sistema de busca descrito no artigo de 1998 “The Anatomy of a Large-Scale Hypertextual Web Search Engine”. Se a pessoa do Yahoo que analisou o artigo não compreendeu as vantagens, a conduta correta teria sido solicitar auxílio de alguém que compreendesse e que pudesse julgar. O grande erro foi descartar por não terem compreendido.

 

Quando compreendem o que foi apresentado e percebem que é ruim, é correto descartar, tal como acontece em mais de 99% dos casos. Se não compreenderam, normalmente é porque se trata de algo mais sofisticado do que eles estão habituados, algo que precisa ser compreendido antes de ser julgado. Quando descartaram por não terem compreendido, esse sim foi erro crasso, que levou o Yahoo a perder o topo de seu nicho.


Clique aqui para baixar o arquivo de 1998 de Sergey Brin and Lawrence Page.


O artigo deles é curto, simples e inteligente, com uma síntese da proposta de aprimoramento na maneira como as buscas eram realizadas numa grande rede. A solução de Sergey e Larry é na verdade ruim conforme explico em meu vídeo sobre "Teoria da Medida" e mais detalhadamente no Guia dos apodícticos , mas é menos ruim do que a que era usada no Yahoo, portanto representava um avanço importante que precisava ser considerado com mais atenção, e o ganho que esse aprimoramento produziria para o Yahoo valia bilhões. Embora fosse difícil estimar o valor exato na época, era óbvio que valia muito mais do que poucos milhões, portanto se tratava de uma bagatela, que deixaram passar e arcaram com as consequências.

 

Uma situação semelhante ocorreu em 1924, quando Louis de Broglie apresentou sua tese de doutorado, e a banca examinadora não conseguia compreender suas ideias nem seus argumentos. Primeiramente consultaram os integrantes de outra banca, que deram uma resposta idiota e arrogante, dizendo que se não entendiam, “por garantia” ele deveria ser reprovado.

 

Para sorte da humanidade, o orientador de Broglie era Paul Langevin, amigo de Einstein, e antes de consentir que reprovassem o rapaz, ele decidiu pedir que Einstein opinasse sobre o assunto. Enviou a tese a Einstein, explicou a situação e pediu a Einstein que examinasse o trabalho. A resposta de Einstein foi “O autor dessa tese não merece um doutorado. Merece um Nobel.” De fato, em 1929 o julgamento de Einstein se revelou correto e de Broglie foi laureado com o Nobel de Física.

 

Pessoas incompetentes geralmente só conseguem reconhecer o valor de trabalhos medíocres, no nível de alcance delas, mas não reconhecem o valor dos trabalhos realmente extraordinários. O Brasil é especialmente corrompido e destrutivo nesse aspecto, conforme comento em meu vídeo sobre “Por quê o Brasil nunca teve um ganhador do Nobel” https://youtu.be/oXywvGYOZdU no qual revelo fatos que as mídias (e até a própria comunidade acadêmica) têm distorcido há décadas, e trago à luz uma interpretação completamente nova, transparente e realista sobre esse problema. O motivo verdadeiro pelo qual o Brasil nunca teve um Nobel é o mesmo motivo pelo qual as empresas brasileiras não conseguem competir com as estrangeiras e precisam de protecionismo tóxico, com taxas exorbitantes de importação, para forçar os brasileiros a comprarem produtos domésticos caros e de baixa qualidade. É o mesmo motivo pelo qual o sistema de adestramento do MEC (que chamam “educacional”) está completamente falido e sem perspectivas de recuperação. É o mesmo motivo pelo qual o Brasil funciona como “quintal” ou “celeiro” dos países que produzem ciência de alto nível. No vídeo exponho algumas “verdades proibidas” e “indesejáveis” por alguns. Há também um trecho no volume 3 do “Guia dos apodícticos” no qual analiso mais alguns aspectos desse problema, e aponto para uma solução.

 

Essa análise do caso Yahoo & Google é fundamental para a compreensão correta dessa situação, porque embora a decisão específica no caso do Google tenha sido errada, é importante enfatizar que essa é uma exceção. Na grande maioria das vezes, o Yahoo realmente precisava descartar as ofertas que recebia, porque são montanhas de ofertas ruins. Se eles não dispusessem de nenhuma informação adicional sobre o Google, se fossem apenas dois estudantes “batendo na porta” para vender alguma coisa, a decisão seria compreensível. Mas eram dois estudantes com um artigo concreto pronto, bastava ler para perceber que aquilo que aqueles estudantes tinham em mãos valia mais do que o Yahoo inteiro, já que o sucesso do Yahoo dependia da qualidade dos resultados de buscas que entregava aos usuários, e aquele artigo mostrava como poderiam melhorar substancialmente a qualidade dos resultados de busca.

 

A IMPORTÂNCIA DE ANALISES OS DADOS DISPONÍVEIS

 

A Internet era uma grande bagunça, e nesse artigo propunham um método para hierarquizar essa bagunça e ranquear os resultados que seriam apresentados aos usuários, ordenados por “relevância”. Há várias falhas na solução proposta no artigo de 1998 e na solução que utilizam no Google atualmente, conforme comento nesse vídeo https://youtu.be/xbP0p-JxPCw, e mais detalhadamente no Guia dos apodícticos. Entretanto, as falhas no Yahoo, Altavista, Cadê e outros sistemas de busca da época, eram muito piores.

 

Quando criticamos as decisões baseadas em rótulos, precisa ficar claro que quando a única informação disponível são os rótulos, eles devem ser usados. Mas quando há outras informações relevantes, não se pode decidir com base apenas nos rótulos, por preguiça de analisar, simplesmente por ser mais rápido e mais fácil do que pensar. Em questões importantes, é necessário pensar, examinar os dados disponíveis, comparar racionalmente as alternativas, sem preconceitos, sem vieses emotivos, sem vieses cognitivos.

 

Em alguns casos, as informações necessárias para análise existem, mas não estão acessíveis. Quando isso acontece, é importante procurar conhecer melhor, para poder julgar. Por isso quando um banco coloca num fundo o rótulo de “baixo risco”, é fundamental ignorar essas palavras e procurar saber o que exatamente significa isso e com base em que esse rótulo foi atribuído.

 

O mesmo acontece quando se coloca um rótulo “investimento” numa determinada aplicação e o rótulo “especulação” em outra aplicação. Ou quando se coloca o rótulo o de “científica” numa determinada teoria e “esotérica” em outra. No Guia dos apodícticos há análises bastante detalhadas sobre essa questão, especialmente no caso da teoria psicanalítica, que alguns a rotulam como “científica”, outros como “pseudocientífica”. Quem tem razão?

 

A verdade é que tanto os que classificam a teoria psicanalítica como “científica” quanto os que a classificam como “pseudocientífica”, ambos têm razão. Cada um deles propõe critérios diferentes de classificação, e dentro do conjunto de critérios que eles propõem, ambos estão certos em classificar em conformidade com seus critérios. Portanto a pergunta em si está errada. Não é relevante saber se a teoria psicanalítica é “científica” ou “pseudocientífica”. O que importa é saber quais são as propriedades inerentes à teoria psicanalítica, e essas propriedades não dependem dos rótulos.

 

CIÊNCIA X FANTASIA

 

Quando Popper rotula a teoria psicanalítica como “pseudocientífica” e quando Feyerabend rotula a teoria psicanalítica como “científica”, o significado da palavra “científica” para Feyerabend intersecta o significado da palavra “pseudocientífica”, e no caso específico da teoria psicanalítica, tanto Popper quanto Feyerabend estão falando da mesma coisa, com as mesmas propriedades. Feyerabend não utiliza um argumento sequer para mostrar que a teoria psicanalítica é melhor do que Popper pensa sobre essa teoria, nem discorda das falhas que Popper aponta nessa teoria. Simplesmente Feyerabend muda o critério de classificação para incluir terias "piores", e assim acaba atribuindo o rótulo de "científica" à teoria psicanalítica. Um simples truque de mudança de nomenclatura, tal como fazem bancos, corretoras e outras empresas ao rotular diferentes produtos financeiros.

 

Não há divergências importantes entre Popper e Feyerabend sobre quais são as propriedades da teoria psicanalítica. A divergência deles é apenas sobre qual é a palavra que gostam mais de usar para descrevê-la, que reflete o quão inclusivos ou exclusivos são os critérios de classificação que eles adotam, e quão bem esses critérios representam a progressão natural dos critérios que vinham sendo aprimorados por seus predecessores (Grosseteste, Roger Bacon, Buridano, Francis Bacon, Descartes, Galileu, Newton etc.).

 

O fato concreto é que a teoria psicanalítica tem propriedades mais semelhantes à astrologia, ao marxismo e ao tarô do que à teoria da gravitação, à teoria termodinâmica ou à teoria da relatividade. Se a pessoa quer incluir tarô, marxismo e astrologia na categoria de “ciências”, então ela também pode incluir teoria psicanalítica. Se a pessoa prefere reservar o termo “ciência” para casos nos quais os protocolos são mais sérios e rigorosos, então a teoria psicanalítica pode não cumprir os critérios e não receber o rótulo de “científica”.

 

É importante compreender os significados das palavras e compreender as propriedades das entidades descritas por essas palavras, saber o que existe por trás dos rótulos, em vez de tomar decisões com base apenas nos rótulos. Se vivêssemos num mundo no qual os rótulos fossem inteligentemente atribuídos e justamente atribuídos, poderíamos confiar mais nos rótulos e pautar nossas decisões neles. Porém a grande maioria dos rótulos reflete interesses políticos, publicitários, comerciais, ideológicos etc. Por isso quando uma determinada aplicação recebe o rótulo de “investimento”, é necessário procurar compreender o que a palavra “investimento” pretende dizer nesse contexto específico.

 

Quando você começar a analisar os fatos por trás dos rótulos, se surpreenderá com a quantidade imensa de induções grosseiramente falsas que são encobertas pelos rótulos, com o propósito de vender lixo a preço de ouro.

 

No Guia dos apodícticos, faço uma análise mais detalhada sobre o assunto e abordo o caso específico de “ciência” e “pseudociência”, procurando selecionar quais os critérios mais úteis para nortear a atribuição de rótulos, de modo que esses rótulos sejam capazes de representar com maior fidelidade, exatidão e completude as propriedades daquilo que recebe o rótulo. Nesse artigo farei algo semelhante com os rótulos “investimento” e “especulação”.

 

Essa análise é muito importante e esclarecedora, porque na classificação de quais aplicações são de fato investimentos e quais são especulações, da maneira como se faz atualmente, as pessoas são induzidas a aplicar em negócios altamente especulativos e de altíssimo risco, simplesmente porque eles recebem o rótulo incorreto de “investimento”, e ao mesmo tempo as pessoas fogem de excelentes investimentos porque os interpretam incorretamente como “especulações”.

 

Nesse artigo, explico detalhadamente porque a visão tradicional é errada e também apresento uma descrição apropriada e útil, por meio da qual se pode fazer distinções corretas, seguras e lucrativas.



 

Continua na parte 2


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