Entre as mensagens de pessoas interessadas em aplicar no Saturno V, ontem a Tamara me mostrou uma que me chamou a atenção. Uma pessoa comentou que estava aplicando no VOTORANTIM FIC DE FI CAMBIAL DÓLAR, e disse ser “considerado o melhor fundo do Brasil”. O histórico desse fundo está disponível para download em https://www.vam.com.br Entre 18/08/2010 e 18/08/2018 as cotas desse fundo tiveram uma valorização nominal de 130,61% (as cotas subiram de 1,41200846 para 3,25623207), que corresponde a 11,01% ao ano. Isso poderia parecer satisfatório, porém no mesmo período o dólar teve uma valorização em relação ao real de 123,43%, de acordo com as cotações históricas de https://www.xe.com. Isso representa um ganho real sobre o dólar de 3,21% (2,3016/2,2343-1), ou seja, 0,40% ao ano. Mas não termina por aí. Nesse mesmo período, a inflação (CPI) acumulada nos Estados Unidos, de acordo com https://inflationdata.com/Inflation/Consumer_Price_Index/HistoricalCPI.aspx?reloaded=true, foi de 15,59%, portanto o dólar sofreu uma desvalorização “intrínseca” de 13,49% (1-1/1,1559), e a aplicação nesse fundo cambial gerou uma perda real de -10,71%. Como se não bastasse, ainda é necessário descontar o imposto sobre ganho de capital, de 15%, que incide sobre os ganhos nominais medidos em Real. Como o ganho nominal foi de 130,61%, o imposto a ser pago é 19,59%, resultando num prejuízo real total de -30,30%! O “considerado melhor fundo do Brasil” gerou um prejuízo de -30,30% para seus clientes no período de 18/08/2010 a 18/08/2018. Este não é, na verdade, o melhor fundo do Brasil. Mas é um dos melhores. O melhor fundo do Brasil, desde 1997, continua sendo o Verde Asset (antigo Hedging-Griffo Verde), que no período 18/08/2010 a 18/08/2018 gerou um lucro nominal, medido em Real, de 197,57%. Aplicando o mesmo cálculo descrito acima para converter em ganho real, o prejuízo líquido para investidores no Verde Asset ao longo destes 8 anos foi de -14,42%. A ilusão de ganhos que se tem quando se considera lucros nominais é uma notável peça publicitária para iludir os investidores. A cobrança de impostos sobre lucros nominais é um completo absurdo matemático, lógico, científico e jurídico. Os números impressos em cédulas e moedas não podem ser confundidos com o real poder de compra destes instrumentos financeiros. Em meu artigo sobre “preços na Idade Média”, esse efeito torna-se muito nítido. O valor de um ovo de galinha na Idade Média, quando comparado a um ovo de galinha hoje, é um excelente parâmetro de comparação, porque apesar da evolução agrícola e pecuária ao longo dos séculos, o ovo continua sendo uma commodity muito comum em todo o mundo, cujo efeito de depreciação é quase neutro quando comparado à média ponderada de outras commodities de alta estabilidade a longo prazo, como milho ou ouro. Mas quando se trata de moedas, especialmente moedas voláteis e frágeis como o Real, não se pode negligenciar o efeito de desvalorização ao longo do tempo quando se faz os cálculos de lucro real gerado por um investimento. E ao fazer tais cálculos, percebe-se que, além de não haver lucro real, ainda acabam resultando em perdas após o pagamento dos impostos. No caso do Saturno V, as performances são medidas em Dólar, que é uma unidade monetária muito mais estável que o Real. E mesmo depois de descontar os valores das licenças de uso, os efeitos da inflação nos Estados Unidos e os impostos sobre ganho de capital, o ganho líquido dos investidores ainda é bastante apreciável, principalmente quando se leva em conta um fato fundamental que é a cobrança do imposto ser aplicável exclusivamente sobre os valores quando são repatriados. Além disso, aplicar no exterior é mais seguro do que aplicar no Brasil. Claro que é necessário especificar em que lugar do exterior. Aplicar no Afeganistão, por exemplo, é muito diferente de aplicar na Suíça. Aplicações em jurisdições com economia mais robusta e estável, em que os bancos possuem rating de risco muito melhor, desfruta-se uma série de vantagens em comparação a aplicar em países cuja economia esteja fragilizada e as instituições financeiras muitas vezes nem sequer estejam classificadas pelas principais entidades de rating de risco, como Standard & Poor’s e Moody’s. Mas não termina por aí. Além de todos os pontos já citados, os dois quesitos mais importantes são a isotropia e a ergodicidade no histórico de rentabilidade. De pouco adiantaria um histórico excelente, se não houvesse evidências estatísticas concretas de que esses ganhos devem continuar nos anos e décadas seguintes. Um excelente exemplo é o que aconteceu aos investidores na Petrobrás entre 2000 e 2007, que levou algumas pessoas a obter ganhos substanciais nesse período, de mais de 600%, mas quando a Petrobrás chegou ao apogeu, muitas outras pessoas pensaram que, se a Petrobrás havia gerado tantos lucros nos 7 anos passados, então deveria continuar assim nos próximos anos, e entraram em 2007 e 2008, sofrendo perdas brutais com a crise do suprime, e continuam negativas até hoje. Um caso mais dramático aconteceu com a OGX, que sofreu uma perda de -99,97% e levou alguns investidores à ruína. O surto observado nas cotações da Bitcoin e outras criptomoedas apresenta sintomas semelhantes aos de grandes bolhas de risco incalculável, sem nenhuma evidência de que os ganhos passados possam ser tomados como parâmetro razoável para estimar os ganhos futuros. No caso do fundo VOTORANTIM FIC DE FI CAMBIAL DÓLAR, cuja performance está estreitamente ligada à flutuação do dólar, no período de 2010-2018 houve uma valorização do Dólar perante o Real, porém quando se considera um período diferente, como, por exemplo, 2003 a 2010, o que se verifica é justamente o contrário: houve uma desvalorização do dólar perante o Real, conforme se pode verificar em https://tradingeconomics.com/brazil/currency cujo gráfico é reproduzido abaixo:
Portanto além de os ganhos nominais entre 2010 e 2018 estarem encobrindo uma perda real de -30%, o quadro é ainda mais grave quando se considera períodos diferentes, porque se observa inclusive uma perda nominal. Alguém que fosse escolher um investimento em 2003 e observasse o histórico do USDBRL (ou de algum fundo ligado ao dólar) entre 1995 e 2003, ficaria muito entusiasmado com os resultados nesse período, mas nos 7 anos seguintes amargaria duras perdas, e até os 15 anos seguintes ainda estaria no prejuízo nominal e muito mais tragicamente no prejuízo real. Em outras palavras, a performance observada no VOTORANTIM FIC DE FI CAMBIAL DÓLAR não reflete a adoção de uma estratégia eficiente, mas apenas a sorte de que nesse período o dólar esteve se valorizando em relação ao Real. Outro exemplo didático surgiu quando a Tamara perguntou se eu havia pesquisado no Google sobre os melhores fundos atuais. Então fizemos uma busca e um dos primeiros resultados foi o ranking de fundos da InfoMoney, no qual o SANTANDER FUNDO DE INVESTIMENTO COLABORADORES MAGAZINE LUIZA AÇÕES aparece (hoje 19/08/2018) em 1º lugar (https://www.infomoney.com.br/onde-investir/ranking-de-fundos), com lucro nominal de +2.364,02% nos últimos 2 anos.
Ao olhar para esse resultado, os investidores menos experientes podem achar muito impressionante, por julgar que 24 meses é um período suficientemente longo para que se possa avaliar a qualidade de um fundo. Porém um investidor experiente percebe de imediato que é mínima a probabilidade de que tais resultados sejam consistentes, e quando se investiga um pouco mais, verifica-se que o histórico total de rentabilidade desde que este fundo foi criado, em maio de 2011, é péssimo, conforme se pode conferir em: https://maisretorno.com/fundo/santander-fi-colaboradores-magazine-luiza-acoes .
Esse fundo chegou a ter um prejuízo de -94,15% em dezembro de 2015! Quando se olha para o histórico da Bovespa (abaixo), percebe-se que o IBOV voltou a subir em janeiro de 2016, por isso esse fundo parou de cair em dezembro de 2015.
Se a Bovespa tivesse continuado a cair por mais 1 ou 2 meses, este fundo provavelmente teria falido com 100% de prejuízo. Isso mostra que a alta performance alcançada também não se deve ao uso de uma estratégia eficiente, mas sim ao uso de níveis exorbitantes de alavancagem e altíssimo risco, tendo chegado à beira do abismo antes de uma recuperação por mera sorte, pois o fundo se mostra fortemente dependente de que o IBOV esteja subindo. É completamente diferente de investimentos ergódicos, como Berkshire Hathaway, Medallion, Renaissance Technologies, Verde Asset, nos quais se observa que, ao fracionar o histórico de rentabilidade em vários intervalos menores, as performances nesses intervalos são muito semelhantes entre si, e também são representativas da média global do histórico. Não importa se IBOV está subindo ou caindo, se o DJI ou o S&P500 está subindo ou caindo. Quando se utiliza uma estratégia eficiente, ela deve ser capaz de gerar lucros independentemente de como estejam se comportando os índices ou os ativos. Uma estratégia eficiente deve ser capaz de indicar quando comprar e quando vender, em vez de apenas comprar e rezar para subir. Essa é a características mais notável e mais importante do Saturno V, porque embora rentabilidade passada não seja garantia de rentabilidade futura, a rentabilidade passada é a melhor forma – e quase a única – de se estimar a rentabilidade futura, desde que se utilize os critérios corretos e as ferramentas apropriadas para as projeções. Veja também: https://www.saturnov.org/apresentacao (um pouco mais sobre ergodicidade) https://www.saturnov.org/artigos (Saturno V em 129 anos de DJI)