INTRODUÇÃO
Para aqueles que ainda não o conhecem, Luis Barsi é amplamente aclamado entre os investidores menos experientes e menos analíticos, conhecido como o “rei dos dividendos”. Entretanto, alguns investidores mais experientes o acusam de ter enriquecido “trabalhando” como insider, e recentemente ele vem sendo investigado por suspeita de contratar insiders.
A maioria acredita na versão ingênua de que ele era muito pobre, começou a trabalhar numa corretora e teria começado a investir em empresas que pagam altos dividendos nos anos 1960, e seu patrimônio foi crescendo até ultrapassar 2 bilhões. Um conto de fadas que não resiste a qualquer análise matemática elementar.
As informações sobre quem são os principais acionistas na Bovespa é de domínio público, qualquer pessoa pode conferir, e Barsi realmente chegou a possuir mais de R$ 2,2 bilhões em 2016, depois sofreu muitas perdas com a desvalorização de suas ações e ficou com menos de R$ 0,6 bilhão.
Não estamos interessados em investigar a origem de seu patrimônio nem as acusações que recaem sobre ele, mas sim em avaliar cientificamente a eficácia de seus aconselhamentos. Para isso, escolhemos um exemplo que o próprio Barsi costuma citar com orgulho.
OS CONSELHOS DE BARSI
Numa entrevista amplamente divulgada em várias grandes revistas, jornais e portais, Barsi havia feito a seguinte declaração (ipsis litteris):
Dividendos para a aposentadoria
"Eu estimulo as pessoas a montar uma carteira previdenciária. Em 2008, chegou uma senhora aqui que tinha recebido um dinheiro do seguro de vida após a morte do marido. Ela disse que estava em dúvida entre comprar o apartamento onde morava ou investir em ações para a aposentadoria. Eu perguntei a ela se R$ 67 mil por mês de aposentadoria estava bom. Ela arregalou os olhos. Eu disse que era fácil conseguir isso, era só comprar 1 milhão de ações da Eternit por R$ 3,8 milhões [preço da época]. Como a ação paga R$ 0,80 por ano em dividendos, com 1 milhão de ações ela receberia R$ 800 mil por ano ou R$ 67 mil por mês. Ela disse que não tinha tanto dinheiro. Eu disse para ela cortar um zero, que compasse 100 mil ações para receber R$ 80 mil em dividendos ao ano. Ela comprou ações da Eternit e começou a reinvestir na bolsa o que recebesse em dividendos. Com o que ela ganhou em dividendos e valorização dos papéis, hoje pode comprar todo o prédio de seis apartamentos onde mora. Não é preciso ter muito dinheiro. Comece pequeno, mas não pare. Vai chegar uma hora em que não será preciso colocar mais nada. Os próprios dividendos reinvestidos vão permitir que você continue enriquecendo."
Fonte: https://simpleseprospero.blogspot.com/2014/11/entrevista-com-o-rei-dos-dividendos-da.html (essa matéria foi publicada em muitos sites da época, mas atualmente consta em apenas algumas centenas de fontes)
Escrevi um artigo na época, analisando esse e outros trechos dessa matéria, cujo conteúdo vamos reutilizar aqui, adicionando um gráfico atualizado, com as cotações da Eternit desde 2000, e com os splits corrigidos pelo padrão da época.
Analisarei o assunto com “excesso” de didática, para tornar facilmente compreensível a todos, especialmente a parte dos cálculos. No artigo original (escrito em 2016), minha análise foi mais sintética nesse ponto, mas a abordagem geral foi mesma.
SPLITS E INPLITS
Essa correção nos splits é necessária para que se possa compreender alguns números mencionados por Barsi. Por exemplo: se você for pesquisar hoje (11/12/2023) nas cotações do Yahoo Finance (abaixo), não encontrará nenhum momento em 2008 no qual a cotação da Eternit chegou em R$ 3,80, por isso ficaria sem sentido o trecho no qual Barsi recomenda comprar 1 milhão de ações da Eternit por R$ 3,8 milhões, em 2008.
Essa aparente inconsistência ocorre porque em 28/10/2018 houve um inplit no qual o preço das ações foi ajustado numa proporção de 6 para 1. Isso não significa que os investidores ganharam 1 centavo sequer, porque não foi uma alta no valor das ações. Os splits e inplits não produzem lucro nem prejuízo. Apenas facilitam a venda de mais ações e aumentam a liquidez.
As bolsas negociam ações em lotes. O preço desses lotes depende do número de ações e do preço da ação. Se uma pessoa compra um lote de 100 ações da Petrobrás por R$ 25,00 cada, ela paga no lote inteiro R$ 2.500,00. Para as empresas é conveniente que as ações se valorizem, porque isso valoriza a empresa, mas ao mesmo tempo é conveniente que o preço do lote permaneça acessível ao maior número de compradores. Por isso são adotados dois tipos de soluções: os fracionamentos dos lotes e os splits.
O fracionamento é semelhante à criação dos satoshis das bitcoins, que são frações menores e mais baratas da bitcoin inteira, como se fossem centavos, milésimos etc.
Os splits são realizados por meio da emissão de novas ações, o que resulta numa redução do preço médio de cada ação, já que o valor da empresa continua sendo o mesmo. Se uma empresa vale R$ 2 bilhões e tem em circulação 100 milhões de ações, então cada ação custa R$ 20,00, porque 2 bilhões de reais divididos entre 100 milhões de ações, resulta em 20 reais por ação. Se essa empresa emitir 100 milhões de novas ações, obviamente isso não aumentará o valor da empresa, que continua valendo R$ 2 bilhões, mas o número de ações em circulação passou de 100 milhões para 200 milhões, portanto cada ação passa a valer R$ 10,00 em vez de R$ 20,00, de modo a manter o preço total da empresa em R$ 2 bilhões.
Mas como ficam os acionistas que possuíam certo número de ações? Eles precisam ser compensados. Isso significa que um investidor que possuía 300 ações que valiam R$ 6.000,00, depois desse split suas 300 ações passariam a valer R$ 3.000,00, já que o preço de cada ação diminuiu de R$ 20,00 por ação para R$ 10,00 por ação.
Seria um “furto” contra os investidores, porque não foi uma sequência natural de operações na Bolsa que provocou a queda no valor dessas ações. Foi uma decisão interna da própria empresa de emitir essas novas ações que provocou a redução no valor.
Por isso, quando uma empresa decide emitir novas ações, ela é obrigada a distribuir mais ações entre os investidores na proporção adequada para compensar a redução no valor de cada ação individual.
Nesse exemplo, o investidor que possuía 300 ações receberia mais 300 da empresa, ficando com 600 ações e mantendo seu patrimônio de R$ 6.000,00.
Para tornar o exemplo mais didático, ilustramos o caso com um split de 2:1, mas poderia ser qualquer outra proporção. Se a empresa emitisse ações até triplicar o número total de ações em circulação, ela precisaria distribuir para cada investidor o dobro das ações que ele já possuía, ficando cada investidor com o triplo de ações, para compensar a redução no valor individual de cada ação, que teria caído para um terço.
Há também a operação inversa, que é o inplit. Em português os termos são “desdobramentos” e “agrupamentos”, mas são mais usuais os termos em inglês.
Quando Barack Obama imprimiu 1 trilhão de dólares após a crise de 2008 para salvar os bancos, foi basicamente um split, com a diferença que as pessoas que já possuíam certa quantidade de dólares não receberam uma quantidade extra de dólares para compensar a desvalorização da moeda.
COMO FOI O INVESTIMENTO NA ETERNIT
Por isso é necessário fazer esse ajuste no gráfico, para que as declarações de Barsi na época fiquem consistentes com os números do gráfico atual do Yahoo Finance (acima). No nosso gráfico abaixo, para facilitar a visualização, já corrigimos os splits para os valores da época:
Em 2008 houve vários momentos nos quais a cotação cruzou o valor de R$ 3,80, por isso não temos como identificar a data exata de 2008 à qual Barsi se refere, mas uma das datas prováveis foi 4/1/2008, em que o preço de fechamento foi R$ 3,81.
Agora podemos analisar os fatos.
A primeira vez que li esse artigo sobre Barsi foi em 19/04/2016, e escrevi o meu logo em seguida, na mesma data, analisando esse texto. Naquela ocasião, a cotação da Eternit estava em R$ 1,62. Além disso, a inflação acumulada naquele período foi de 68,79957%, de acordo com dados do Banco Central do Brasil.
https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/exibirFormCorrecaoValores.do?method=exibirFormCorrecaoValores
Se a inflação foi de 68,79957%, houve uma desvalorização de 1/1,6879957 = 0,40758143, ou seja, algo que custava R$ 100,00 em 4/1/2008 passou a custar R$ 168,80 em 19/4/2016. Isso significa que o poder de compra da moeda caiu na mesma proporção de 1,688, portanto cada cédula de R$ 100,00 em 2016 passou a ter o poder de compra que se tinha com R$ 40,76 em 2008. Houve uma perda de 59,24 reais a cada 100 reais no valor da moeda, portanto uma desvalorização de 59,24%.
Por isso o valor de R$ 1,62 da ação em 2016 corresponde, na verdade, a R$ 1,62/1,688 = R$ 0,96.
Em outras palavras, além de o valor da ação ter caído de R$ 3,81 para R$ 1,62, houve ainda uma desvalorização no real. Por isso não se pode medir apenas a perda causada pela redução de R$ 3,81 para R$ 1,62.
O cálculo correto exige considerar que esses R$ 1,62 em 2016 passaram a valer o equivalente a R$ 0,96 em 2008. Ou seja, o valor que a senhora cliente do Barsi comprou de ações da Eternit em 2008 despencou para ¼ em 2016.
A perda real nessa operação foi de R$ 3,81 para R$ 0,96 em cada ação, quase 75% de prejuízo, mais precisamente 74,81%, o poder de compra caiu numa proporção de 1:4.
Se fosse apenas isso, significaria que ela não poderia comprar sequer ¼ do apartamento que ela pretendia. Mas não termina por aí. Também é necessário computar quanto ela recebeu de dividendos. Ao longo desse período, a Eternit pagou 54,46% de dividendos sobre o valor da ação, conforme consta em:
http://eternit.riweb.com.br/Download.aspx?Arquivo=EJMj++YRGnHWMiBvxM9/EQ==
Não podemos simplesmente multiplicar por 1,5446 porque o preço da ação não foi constante ao longo desses anos. O cálculo correto precisa considerar os dividendos sobre o valor da ação em cada data na qual os dividendos foram pagos. Ao fazer esse ajuste, temos que os dividendos pagos foram 43,71%.
Portanto: (1-0,7481) × 1,4371 = 0,3620. Como resultado final, em 2016 a mulher ficou com 36,20% do valor que ela possuía em 2008, houve uma desvalorização de -63,80% do capital investido, já computando todos os pagamentos que foram recebidos na forma de dividendos, mesmo assim houve um prejuízo imenso.
Há mais alguns detalhes que precisam ser considerados, porque ela estava na dúvida entre comprar um apartamento ou aplicar em ações, portanto há uma alternativa explícita de custo de oportunidade que precisa ser incluída no cálculo.
Os imóveis subiram 225,20% no mesmo período, de acordo com FIPEZAP, conforme se pode verificar em http://www.zap.com.br/imoveis/fipe-zap-b/
Se descontar a inflação no mesmo período, a subida dos imóveis foi de +92,65% de valorização real.
Portanto, como ela optou por comprar Eternit, em vez de comprar o apartamento, é preciso considerar que além de ela ter perdido -74,81% com a desvalorização das ações, ela também deixou de ganhar 92,65% com a valorização dos imóveis. Em contrapartida, ela recebeu 43,71% de dividendos, que amenizou um pouco as perdas, mas ainda foram brutais.
AO FINAL, QUANTO FOI O “LUCRO”?
Perder 74,81% significa dividir por 3,9698. Deixar de ganhar 92,65% significa dividir por 1,9265. Ganhar 43,71% significa multiplicar por 1,4371.
Computando todos os valores e ajustes, temos:
Ou seja, se ela tivesse comprado o apartamento, teria ganho 432,2% a mais do que tendo comprado Eternit, ou 5,322 vezes mais. Inversamente:
A escolha de aplicar na Eternit resultou num prejuízo total de -81,21%. Ela ficou com 18,79% do valor que teria se ela tivesse comprado o apartamento, o que representa menos de 1/5 do valor do apartamento.
Barsi afirmou, na entrevista, que ela poderia comprar 6 apartamentos com o que ela havia “ganhado” ao seguir o conselho dele, mas uma rápida análise dos fatos e dos números mostra algo diferente.
São fatos óbvios e transparentes, que podem ser facilmente verificados nas fontes oficiais, cujos links são indicados acima. As cotações da Eternit são de conhecimento público, acessível em várias páginas, inclusive no Yahoo Finance e no próprio site da B3. Os dividendos da Eternit são informados no próprio site da empresa, além de serem também listados no Yahoo Finance. As taxas de inflação estão disponíveis no site do Banco Central do Brasil.
Em vez de conseguir comprar 6 apartamentos, ela não conseguiria comprar nem a quinta parte daquele apartamento que ela desejava.
Essa situação se agravou nos meses e anos seguintes, porque a Eternit piorou sua performance, as ações caíram vertiginosamente até menos de R$ 0,50, sem contar os efeitos da inflação, e ela chegou a ter mais de 95% de prejuízo, perdeu quase tudo, a Eternit quase faliu em 2019, escapando por pouco com um acordo judicial, mas ficou 6 anos sem pagar dividendos (que antes eram trimestrais), além de as ações desabarem.
No caso dessa senhora, a situação é mais triste e mais grave, porque aparentemente ela precisava do dinheiro dos dividendos para sua subsistência, e pelo nível de inexperiência que ela demonstrou, ela provavelmente achava que todos os trimestres receberia aqueles valores, portanto deve ter sido uma surpresa difícil quando ela foi descobrindo que não era assim, e ficou 6 anos seguidos sem receber 1 centavo de dividendos.
ISSO SIGNIFICA QUE INVESTIR EM IMÓVEIS É BOM NEGÓCIO?
Obviamente isso não significa que comprar imóveis seja bom negócio. Esse tema é analisado em 3 outros artigos, por isso não me aprofundarei aqui.
Há muitos outros pontos que poderiam ser analisados, mas citarei apenas dois.
Em primeiro lugar, é necessário esclarecer que nos últimos anos, os imóveis têm apenas acompanhado a inflação, praticamente sem valorização.
A inflação (IGP-M) entre maio de 2016 e novembro de 2023 foi de 74,015820%, enquanto os imóveis subiram 86,11%, portanto se descontar a inflação, os imóveis tiveram uma valorização real de apenas 6,95% nos últimos 7 anos, menos de 1% ao ano, muito menor do que os 92,65% nos 8 anos anteriores.
Quando consideramos os últimos 18 meses, os valores de imóveis começaram a diminuir, com reflexo primeiro nos alugueis e logo depois nas operações de compra e venda.
Um fato importante que precisa ser considerado é que os ciclos de altas e baixas geralmente duram 10 a 15 anos, portanto quando se inicia uma queda após um longo período de alta, as perspectivas são desfavoráveis para comprar imóveis nos próximos 10 a 15 anos, já que os preços estarão caindo em relação à inflação, e é exatamente o que está se configurando desde junho de 2022, e mais nitidamente em 2023.
Além disso, as cotações dos imóveis são muito manipuladas, porque não refletem preços de “negócios fechados” (como as ações), mas sim os preços de “negócios anunciados”, com muitos anúncios inflados, especialmente quando as imobiliárias e construtoras observam uma queda no FIPE ZAP e tentam maquiar os valores, empurrando-os para cima com anúncios exagerados que distorcem esse índice.
E PARA LONGO PRAZO, INVESTIR EM IMÓVEIS É BOM NEGÓCIO?
No longo prazo é ainda pior. Em períodos curtos ou em regiões específicas, pode-se ter algum lucro, se tiver sorte, mas quanto mais longo for o período considerado, maior é a probabilidade de ter 0 de lucro ou até mesmo ficar negativo.
Estudos publicados pelo economista Robert J. Shiller, ganhador do Nobel de Economia em 2013, sobre imóveis nos EUA desde 1890 até 2023, mostram um crescimento real de 0,5571% ao ano, que reflete corretamente a valorização dos imóveis a longo prazo, sem os típicos exageros e as distorções publicitárias, ou seja, menos de 1% ao ano. Se descontar IPTU/ITR, custos com manutenção, reformas etc., o resultado líquido fica negativo. Existe a opção de alugar, que traz outros custos e riscos, como inadimplência, depredação, eventuais ações judiciais para desocupação etc.
O banco de dados completo com esse estudo pode ser encontrado na página do próprio Robert, no site da universidade e Yale: http://www.econ.yale.edu/~shiller/data.htm
Além disso, no gráfico desse estudo de Robert Shiller mostra que nos anos recentes está se formando uma bolha imobiliária tão grande ou maior do que a bolha do subprime de 2008, que já começa a dar sinais de estar prestes a “estourar”, o que faz do investimento imobiliário um dos piores negócios imagináveis no cenário atual e permanecerá assim nos próximos 10 a 15 anos. Por isso, mesmo para alguém que esteja decidido a investir em imóveis, esse não é o momento.
Embora investir em imóveis possa ter sido um bom negócio entre 2010 e 2021, atualmente é uma péssima escolha, e justamente nesses momentos mais nefastos é que as mídias incentivam os investidores menos experientes a entrarem comprando aquilo que os mais experientes querem vender, mas não tem para quem vender. É exatamente o mesmo que fazem nas bolhas de ações: os investidores mais sofisticados compram espaços na mídia e financiam propagandas para veicular notícias dizendo que tais investimentos são bons, e as pessoas começam a comprar euforicamente, assim os investidores sofisticados “geram” compradores para que eles possam despejar tudo antes da queda, e na contraparte entram os investidores ingênuos, que vão comprando e enchendo suas carteiras com essas ações, e quando a queda começa, eles não conseguem vender, entram em pânico, enquanto assistem às suas ações afundarem como pedra, e não há o que fazer a não ser aguentar os prejuízos.
Foi assim em 1999-2000, quando todas as mídias incentivavam as pessoas a comprar ações, e em 2000 a bolha estourou, com grandes prejuízos para quem entrou naquele momento. O mesmo se repetiu na bolha de 2007-2008, e em praticamente todas as bolhas, quer sejam de ações, quer sejam de imóveis ou de qualquer outro instrumento financeiro.
Esse fenômeno é igual em todos os setores. Leonard Mlodinow estudou vários casos na indústria cinematográfica, petroquímica, agronegócios, têxteis etc. Em todos os casos, o que se observa são os mesmos tipos de erros de análise e mesmo tipo de viés cognitivo ao tomar cada decisão.
Embora ocorra nos mais variados segmentos, há algumas diferenças importantes relacionadas à liquidez. No ramo imobiliário, por exemplo, as vendas são mais demoradas, mais difíceis e mais caras.
Na Bolsa, se a pessoa comprou $ 5 milhões em ações da Petrobrás, e logo em seguida a ação
começa uma queda vertiginosa, a pessoa consegue vender tudo em poucos minutos, antes que a queda de agrave. Mas se a pessoa comprou um imóvel de $ 5 milhões e o preço dos imóveis começou a cair, não há como vender em poucos meses, exceto se a pessoa aceitar um valor muito menor do que o justo.
Se ações podem ser liquidadas em poucos minutos, enquanto imóveis demoram meses, isso leva a uma outra questão...
APLICAR EM EMPRESAS PAGADORAS DE ALTOS DIVIDENDOS É BOM NEGÓCIO?
O primeiro ponto a se considerar é que entre 1963 e 2008, o Ibov teve um crescimento consistente, mas quando analisamos o período de 2008 a 2023, o Ibov tem caído sistematicamente. O gráfico abaixo, com o Ibov dolarizado, ilustra essa situação:
Fonte primária: dados coletados “arqueologicamente” por Fausto Botelho, compilando a partir de microfilmes de jornais e registros impressos das cotações desde 1963. Mais detalhes em nossa entrevista em https://youtu.be/MCr7NVKeWys
Fonte da imagem acima: https://clubedospoupadores.com/ibov-historico
Ainda é necessário descontar o efeito da inflação no dólar, o que torna essa queda ainda pior.
O que eu gostaria de comentar aqui é que entre 1963 e 2023, a inflação acumulada nos EUA foi de 883,14%. Se considerar desde 2009 até 2023, a inflação acumulada foi de 40,23%. (fonte: https://tools.carboncollective.co/inflation/us/). Portanto, desde 2008 o Ibov sofreu uma queda real de 56,71%, apesar do aparente crescimento provocado pela ilusão da desvalorização do real frente ao dólar, que faz cada ponto do Ibov, medido em reais, parecer maior do que é.
Significa que mesmo se fosse um negócio interessante investir em pagadoras de altos dividendos até 2008, deixou de ser nos últimos 15 anos, e tudo indica que será cada vez pior. Isso é relativamente óbvio por várias razões. Uma delas é porque se a empresa paga altos dividendos, em vez de reinvestir esse dinheiro na própria empresa, ela não está crescendo na proporção que poderia. Outro motivo é porque depois de certo tempo, devido a essa estagnação no ritmo de crescimento, as pagadoras de altos dividendos são mais vulneráveis a crises, com maior risco de insolvência, como ocorreu com o exemplo da Eternit. Outro motivo é que se muitas manadas repetem um mesmo procedimento, isso leva à uma saturação, com queda de performance. Além de outros motivos...
Buffett, por exemplo, tem passado os últimos 15 anos abaixo do índice na maior parte do tempo. Se o melhor investidor fundamentalista do mundo está perdendo com dividendos nos últimos 15 anos, é ingênuo pensar que outros investidores menos experientes teriam melhores resultados com mesmo tipo de estratégia, exceto se forem beneficiados pela sorte. Inclusive porque Buffett adota uma complexa estrutura decisória, que envolve muitos outros critérios além dos dividendos, e ele tem um talento fora do comum para “farejar” negócios, mesmo assim ele não está conseguindo bater o índice de forma consistente.
Investir em pagadoras de altos dividendos não é um negócio ruim. Apenas não é um negócio melhor do que investir em qualquer empresa aleatória. Há vantagens e desvantagens. Assim como uma ação que estava subindo nos anos anteriores não necessariamente continuará a subir nos próprios anos, o mesmo vale para as que estavam pagando dividendos nos últimos anos, mas nada garante que continuarão pagando nos próximos anos, como de fato ocorreu com a Eternit.
Outro caso interessante a ser analisado é o da Microsoft, que desde os anos 1980 vinha de um histórico brilhante, Bill Gates era manchete frequente por ser o homem mais rico do mundo e sua fortuna vinha crescendo, em média, 59% ao ano. Quem comprou MSFT em março de 1986 por US$ 0,091 e vendeu em dezembro de 1999 por US$ 59,97 ganhou +66000% em 13 anos (mais de 60% ao ano nesse período). Nessa época, a MSFT não pagava dividendos, mas dava lucros imensos.
A MSFT começou a pagar dividendos em 19/02/2003, e quem entrou comprando com base nos dividendos, recebeu 0,08% de dividendos no primeiro pagamento, 0,16% no segundo, e assim por diante. Até agosto de 2009, a MSF havia pago 5,1% em dividendos, enquanto as ações haviam caído -39,3%.
Foram mais de 6 anos de prejuízos apostando numa pagadora de dividendos, sendo que os investidores que entraram na MSFT quando ela não pagava dividendos, em 1986, e seguraram até o final de 1999, ganharam 66000%. Até quem não vendeu em 1999 e continuou segurando durante a crise, manteve um lucro acima de 20000% (vinte mil por cento).
Claro que não se pode usar um caso isolado como argumento para generalizar a todos os casos, mas é um exemplo marcante de uma boa empresa que durante o período no qual não pagou dividendos gerou muito mais lucros do que no período no qual pagou dividendos.
Uma síntese final do que vimos acima é que uma pessoa que aplicasse R$ 1.000.000,00 em 7/1/2008, teria em 19/4/2016 o balanço de:
Seguindo a recomendação de Luis Barsi: R$ 611.050,00, isto é, teria 38,9% de prejuízo nominal e 63,8% de prejuízo real.
Aplicando em imóveis: R$ 3.252.000,00, isto é, teria 225,2% de lucro nominal e 92,6% de lucro real.
Sócio do Saturno V (não paga licença): R$ 18.584.900,00, isto é, teria 1758,5% de lucro nominal e 1148,3% de lucro real.
Licenciado L3 do Saturno V: R$ 10.745.488,61, isto é, teria 974,5% de lucro nominal e 521,8% de lucro real.
Licenciado L2 do Saturno V: R$ 9.252.889,44, isto é, teria 825,3% de lucro nominal e 421,5% de lucro real.
Licenciado L1 do Saturno V: R$ 7.612.375,04, isto é, teria 661,2% de lucro nominal e 311,3% de lucro real.
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SOBRE O AUTOR:
Hindemburg Melão Jr. foi protagonista em reportagem no Fantástico, da rede Globo, por ter o maior QI do Brasil (2005), é recordista mundial em Xadrez às cegas registrado no Guinness Book 98, foi representante da América Latina no Intercontinental High-IQ Forum 2022, autor de mais de 1700 artigos, inclusive dezenas de inovações em diferentes campos do conhecimento, inclusive aprimoramentos nos trabalhos de 6 ganhadores de prêmios Nobel e soluções para problemas científicos e matemáticos que estavam em aberto há décadas e a há séculos.
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