RESUMO Há poucos anos foi realizado um estudo sobre a eficiência das estratégias utilizadas por 100 gestores profissionais de Wall Street. Para tanto, suas performances foram comparadas à performance de um chimpanzé operando com olhos vendados. Os resultados foram publicados no Wall Street Journal e em várias outras revistas[1]. O rendimento ajustado ao risco obtido pelo chimpanzé foi melhor que a média dos 100 gestores profissionais. Como interpretar esse fato e como encarar a validade dos certificados emitidos pelas entidades reguladoras? Há algo que precisa ser mudado nos critérios que determinam a emissão destes certificados, para evitar que os gestores aprovados continuem gerando para seus clientes resultados comparáveis aos obtidos por chimpanzés? É sobre isso que trataremos nesse artigo. Palavras-chave: investimentos, estratégias, fundos de investimento, mercado financeiro. INTRODUÇÃO Quando uma pessoa adquire uma TV ou um liquidificador, ela liga e verifica se está funcionando. O teste não requer profundos conhecimentos sobre eletrônica nem mecânica. Praticamente qualquer pessoa pode verificar se um aparelho como esse funciona, e o risco de se equivocar nesta avaliação é baixo. Se o produto não funcionar, ele rapidamente deve apresentar anomalias bastante fáceis de serem identificadas. A pessoa pode tentar ligar 2 ou 3 vezes, e em menos de 1 minuto a pessoa já terá uma ideia aproximada se o produto apresenta defeito. Pode ser um ruído estranho, uma mancha, alguma assimetria, um risco etc. Mesmo nos casos de produtos complexos, constituídos por muitos componentes, como um automóvel, pode haver pequenas falhas que passem despercebidas no teste, mas não comprometem sua funcionalidade geral, de modo que os itens defeituosos não chegam a 1% do valor do produto, e muito raramente chegam a 10%, não causando grandes prejuízos. Mas isso vale exclusivamente para produtos cujo funcionamento seja predominantemente determinístico. Em tais casos, não há necessidade de um especialista que oriente o consumidor. O próprio consumidor, munido com bom senso e alguns conhecimentos básicos, é capaz de avaliar se um produto está funcionando bem ou se apresenta sintomas de defeito. Além disso, há leis (CDC) que regulam as condições para devolução, mediante a constatação de vícios ocultos, bem como eventuais indenizações, se o mal funcionamento acarretar prejuízos ao consumidor. Mas quando se trata de um produto de investimento, a situação muda completamente, porque os resultados gerados são quase totalmente aleatórios, com uma pequena parcela de determinismo. Isso faz com que um produto eficiente possa ficar meses ou anos gerando perdas, enquanto outro que seja ineficiente pode permanecer positivo durante meses ou anos. Essa característica, inerente a qualquer produto de investimento, dificulta tremendamente a avaliação de sua qualidade e exige períodos longos de coleta de dados, bem como análises destes dados, para que se possa fazer inferências válidas. Pode-se fazer uma analogia com jogadores de Poker. Um jogador top-mundial pode ficar negativo durante 2.000 torneios, como André Akkari, enquanto um iniciante pode ter vários ganhos consecutivos por mera sorte. [veja o artigo Yin Yang] Para avaliar se um produto desta classe cumpre o esperado, torna-se necessário um nível consideravelmente elevado de conhecimento sobre Estatística, Lógica e Metodologia Científica. Produtos farmacológicos se assemelham aos financeiros, em alguns aspectos, por isso algumas analogias apresentadas neste artigo serão por meio de comparações com itens desse gênero. Um fármaco aplicado em centenas de pessoas pode funcionar em algumas delas, mas não em outras, assim como um placebo. O que distingue o placebo do princípio ativo é uma diferença estatística que a maioria da população não está apta para aferir nem interpretar. Por isso é frequente que surjam curandeiros fazendo sucesso e atraindo multidões de desavisados, graças ao efeito placebo, que não é compreendido pelos leigos. Esse sucesso dura até que sejam devidamente autuados pelas entidades reguladoras. Ironicamente, as pessoas lesadas por estes charlatães ainda tendem a defender seus detratores, porque desconhecem o conceito de placebo, desconhecem os fundamentos do método científico, e estão susceptíveis a acreditar que se algo funcionou num caso específico, então deve funcionar sempre. No ramo da Saúde, uma porcentagem bastante grande (talvez mais de 99%) dos que atuam nessa área são profissionais cuja qualificação varia entre razoável e excelente, e todos estão mais bem preparados para o exercício da função do que uma pessoa comum, sorteada ao acaso entre a população. Eventualmente surge algum charlatão, que acaba sendo denunciado e impedido de continuar atuando, mas em condições normais, se forem reunidos dois grupos, A e B, o grupo A com 100 médicos e o grupo B com 100 pessoas sem formação em Medicina, e estas 200 pessoas dos grupos A e B forem colocadas para examinar 50 pacientes com diferentes doenças, é provável que até mesmo o pior entre os 100 médicos acerte mais diagnósticos que a melhor entre as 100 pessoas sem formação em Medicina. Em contrapartida, no ramo dos investimentos é o contrário: mais de 99% dos que atuam como profissionais nessa área não possuem qualquer qualificação que os distinga de uma pessoa leiga, aliás não possuem qualquer qualificação que os distinga sequer de um chimpanzé[1] no que diz respeito à performance ajustada ao risco. Eventualmente surge algum profissional realmente competente, que acaba passando despercebido, além de ser boicotado pelos charlatães que impedem sua emergência num ambiente que eles já dominaram. Diante a essa realidade mórbida, seria esperado que as entidades reguladoras se empenhassem para reverter esse quadro e estabelecer um mínimo de seriedade neste ambiente. Neste artigo, tentaremos dar o primeiro passo no sentido de esclarecer os investidores, bem como incentivar as entidades reguladoras a promover uma reformulação nas leis que regulam o Mercado Financeiro, de modo a filtrar os produtos de investimento que são oferecidos ao público, evitando a venda de banha de cobra como se fosse remédio. Também espera-se que sejam revisados os critérios para emissão de certificados de gestores e analistas, de modo que aqueles distinguidos com uma certificação dessa categoria façam jus a ela, e não continuem a ser superados por um chimpanzé[1]. 1. FUNÇÃO QUE SE ESPERA DE UMA ENTIDADE REGULADORA A ANVISA e o Conselho Federal de Medicina (CFP) são entidades que zelam pela saúde da população, no sentido de supervisionar o exercício da Medicina e regular quais substâncias supostamente terapêuticas podem ser comercializadas pela indústria farmacêutica. Nesse contexto, entende-se que a população em geral não tem o conhecimento e o discernimento necessários para julgar se: a. Um pretenso profissional de saúde está capacitado para avaliar corretamente o estado de saúde de uma pessoa e oferecer a ela um tratamento adequado. b. Um determinado medicamento e o respectivo tratamento com o uso desse medicamento produzem efeito superior ao de um placebo. A avaliação e a seleção dos profissionais capacitados, assim como dos medicamentos cientificamente testados e validados, é tarefa que excede o domínio do cidadão comum. Por isso foram constituídas as entidades responsáveis por promover esta filtragem, de modo a impedir a prática da Medicina por curandeiros e outros charlatães, bem como evitar que água com farinha seja vendida à população como medicamento para o tratamento de câncer e outras doenças. Nem a ANVISA nem o CFM estão imunes a falhas, mas, em linhas gerais, a ANVISA adota critérios bem fundamentados na metodologia científica contemporânea, exigindo estudos que corroborem a eficiência dos princípios ativos presentes nos medicamentos, que precisam ser rigorosamente testados, obedecendo a protocolos apropriados, primeiramente em cobaias e depois em amostras suficientemente numerosas e diversificadas de humanos, em estudos conduzidos por pesquisadores independentes, produzindo resultados estatisticamente válidos. Em geral, quando se supõe que determinado princípio ativo pode produzir determinado efeito no tratamento de determinada doença, realiza-se um experimento duplo-cego, em que uma amostra de pessoas é dividida em grupos equivalentes: um grupo recebe o princípio ativo e o outro recebe placebo. Acompanha-se a evolução da doença nestes dois grupos e verifica-se a eficiência do princípio ativo em comparação ao placebo, sendo que este contraste é medido por ferramentas estatísticas apropriadas. Sem atender a estes quesitos, um medicamento não pode ser colocado em circulação, pois não haveria nenhum motivo razoável para acreditar que o suposto medicamento pode produzir qualquer efeito além do que seria obtido por placebo. O Conselho Federal de Psicologia adota procedimentos semelhantes para selecionar os instrumentos psicométricos que são aprovados para uso em clínicas e empresas. Estes procedimentos podem não ser 100% certos, no sentido de não serem capazes de garantir que todos os medicamentos e tratamentos aprovados sejam eficientes, nem são capazes de garantir que 100% daqueles não aprovados sejam ineficientes. Mas pelo menos acertam em mais de 90%. Por isso tal prática contribui muitíssimo para separar o joio do trigo, por meio de critérios justos e reconhecidos cientificamente. 2. ENTIDADES REGULADORAS DO MERCADO DE CAPITAIS As entidades brasileiras responsáveis pelo Mercado de Capitais estão entre as mais eficientes do mundo, atuam com lisura e diligência na fiscalização e no exercício de suas funções, no entanto estão “engessadas” por leis que dificultam que atinjam os objetivos para os quais foram criadas. Diferentemente dos moldes científicos seguidos pela ANVISA, a CVM não exige validação dos produtos de investimentos comercializados no mercado, nem exige validação empírica da competência dos gestores profissionais e analistas profissionais. Isso abre espaço a uma legião de vendedores de ilusões. O Mercado Financeiro está impregnado de produtos da mais baixa qualidade, sendo oferecidos sem nenhuma restrição, e consumidos inadvertidamente em quantidades alarmantes. São revistas, livros, cursos, apostilas, palestras, robôs, indicadores, estratégias etc., nenhum dos quais apresenta a menor evidência de que seja capaz de gerar lucro de forma consistente. Aliás, a grande maioria apresenta nítidas evidências de que gera prejuízos. Entre 2006 e 2007, foram examinadas mais de 500 estratégias quantitativas que são amplamente recomendadas em livros, cursos, sites de corretoras, revistas especializadas e outras fontes[2]. Para tanto, estas estratégias foram automatizadas e executadas em séries históricas tick-by-tick de EURUSD entre abril de 2000 e outubro de 2006. Cada estratégia teve seus parâmetros otimizados com auxílio de um algoritmo genético no período de 20/4/2000 a 31/12/2002 e, em seguida, o genótipo campeão entre 10.000 gerações em cada estratégia foi colocado para operar no período de 1/1/2003 a 1/10/2006. O resultado foi que todas as estratégias testadas ficaram negativas. Em 2014, foram realizados novos testes, com séries históricas de 1986 a 2014, e mais de 1000 estratégias foram testadas, com otimização entre 4/12/1986 e 31/12/2005. Em seguida, o genótipo campeão de cada otimização foi testado entre 1/1/2006 e 1/3/2014. Todas ficaram negativas. Considerando que cada estratégia foi testada com 10.000 configurações diferentes, e a melhor configuração foi utilizada no período seguinte, então as 1.000 melhores entre 10.000.000 de configurações foram testadas e todas ficaram negativas. Isso proporciona uma ideia sobre a raridade de estratégias verdadeiramente lucrativas e mostra também que a totalidade das estratégias mais consagradas e exaltadas em livros e cursos são perdedoras, mas continuam a ser oferecidas e consumidas por milhões de pessoas. Nos casos dos medicamentos, se eventualmente entra em circulação algum produto ineficiente, tal fato é rapidamente denunciado, investigado e resolvido. Mas na área de investimentos, o mercado está tão vergonhosamente saturado de produtos ineficientes que isso passou a ser aceito como “normal”. Para que se possa ter uma ideia quantitativa do problema, pode-se analisar um ranking de fundos on-line[3] Ao consultar este ranking, no final de 2014, havia 383 fundos listados. Até o final de 2015, vários faliram e a lista se reduziu a 241 fundos, dos quais apenas 27 estavam nominalmente positivos nos últimos 24 meses. Destes 27, apenas 4 fundos alcançaram a inflação nos últimos 2 anos e provavelmente nenhum deles alcançou a inflação nos últimos 3 anos. Portanto, entre 383 fundos, apenas 4 se mantiveram positivos, em termos reais, por 2 anos, ou seja, 99% de fundos negativos. Se o período considerado fosse mais longo, a porcentagem de negativos seria maior, já que os poucos positivos geralmente estavam sendo beneficiados pela sorte, e a aumentar a amostra de dados, o fator sorte se dissiparia e revelaria que mesmo aqueles poucos positivos não resistiriam por períodos mais longos. Esta situação produz na população uma grave quebra de confiança nos produtos de investimentos, porque o cidadão comum não possui os conhecimentos estatísticos e científicos necessários para distinguir entre o que é bom e o que é mau, por isso acaba generalizando, como se todo produto de investimento pertencesse à mesma classe de produtos de altíssimo risco, já que os produtos que eles chegaram a conhecer não passavam de “água com farinha”. Esse quadro é muito triste, porque existem alguns produtos de investimento realmente bons, mas estes raramente chegam ao conhecimento do público em geral. O que o investidor comum espera é que as entidades reguladoras filtrem os produtos que são disponibilizados no Mercado Financeiro e fiscalizem a legitimidade das informações divulgadas pelos fornecedores destes produtos, de modo a eliminar das “prateleiras” os produtos ineficientes, bem como certificar que as informações sobre cada produto sejam devidamente documentadas e representativas dos fatos. Quando a pessoa vai a uma farmácia e compra um medicamento, a probabilidade de que seja uma substância ineficiente é tão baixa que a pessoa praticamente despreza esse risco e confia nas características alegadas na embalagem, porque ela sabe que existe uma entidade oficial que filtra os produtos disponibilizados ao público e supervisiona a exatidão das informações divulgadas. Eventualmente se descobre alguma fraude nesse ramo, que é logo denunciada e os infratores são punidos, tirando de circulação os produtos irregulares. Por isso mesmo com essas ocorrências isoladas, ainda existe grande confiança na qualidade de produtos de saúde. Por outro lado, uma pessoa que já teve múltiplas experiências negativas com investimentos, ao deparar com um novo produto de investimentos que ainda não conhece, ela praticamente despreza todas as informações apresentadas sobre as características desse produto, e presume que sejam tão fraudulentas quanto as de outros produtos de investimento que ela já adquiriu e com os quais sofreu perdas substanciais. Não existe a figura protetora de uma entidade na qual o investidor possa confiar, que zela pela sua segurança, impedindo a circulação de produtos nocivos e vistoriando a acurácia das informações divulgadas. Como resultado, os raríssimos produtos realmente eficientes são penalizados, pois ficam perdidos no meio do lixo, e mesmo que a pessoa os encontre, acaba não acreditando no que lê, devido aos traumas que sofreu com suas péssimas experiências anteriores, que a levaram a cultivar uma fortíssima rejeição generalizada para se proteger contra os péssimos produtos de investimentos que poluem o Mercado. Nesse contexto, não apenas o investidor é prejudicado, como também os fornecedores de produtos de boa qualidade, que são encarados com exacerbada desconfiança. Outro problema grave é a ilusão dos investimentos sem risco, como imóveis, títulos do governo ou poupança, que figuram entre os favoritos dos investidores menos experientes, porque na ânsia de evitar completamente os riscos, caem na armadilha de acreditar que nestas alternativas estariam protegidos. O fato é que não existem investimentos sem risco. Como disse o poeta Guimarães Rosa “viver é negócio muito perigoso”. Quem conhece um pouco sobre o histórico de calotes do governo brasileiro, com títulos da Eletrobrás, títulos da dívida pública e outros, sabe que a falsa segurança que se costuma estampar nestes títulos, na verdade encobre um risco altíssimo e incalculável de perda total. Os imóveis envolvem riscos comparáveis a qualquer outra aplicação de baixa liquidez, portanto são piores que ações, e o confisco da poupança nos ano 1990 foi uma lição exemplar para derrubar a ilusão de investimento sem risco. As entidades reguladores deveriam estabelecer uma escala padronizada, objetiva e validada empiricamente, para ser adotada como referência nas classificações de risco. Os atuais métodos para classificação de risco falham grosseiramente, a tal ponto que quase todos os fundos classificados como de baixo risco estão negativos há 8 anos, enquanto alguns dos fundos classificados como de alto ou altíssimo risco (Sparta, Tempo Capital etc.) estão com perdas reais muito menores que os classificados como de baixo risco, e alguns até estão positivos, como o fundo Verde. Como pode um fundo ser classificado como “de baixo risco” e ficar 8 anos negativo? E como pode um fundo ser classificado como de altíssimo fisco e estar há 23 anos positivo e nunca ter ficado mais de 2 anos negativo? Isso mostra quão ineficientes e distorcidos são os escores utilizados pelos bancos e pelas agências de risco. Tais disparidades entre a classificação de risco e o resultado efetivamente observado são frequentes e indicam a eminente necessidade de uma revisão nos critérios para classificação de risco. Para agravar ainda mais esta situação, até mesmo as grandes instituições financeiras oferecem uma imensa variedade de péssimos produtos de investimento. Inclusive os bancos, nos quais as pessoas costumam depositar mais confiança e seguir quase cegamente as recomendações de seus gerentes, na ilusão de que, por serem instituições de maior porte, deveriam oferecer produtos mais solidamente alicerçados, estão abarrotados com alguns dos piores produtos de investimentos em seus cardápios. Os investimentos ruins se distribuem em todos os níveis, atingindo clientes private, prime e varejo, mas as principais vítimas são os investidores de varejo, geralmente menos instruídos, menos assessorados e, quando recebem alguma assessoria, esta costuma ser de baixa qualidade. Como se isso não bastasse, ainda são expostos exclusivamente aos piores produtos entre que já são muitos ruins. Sem conhecer o conceito de “custo de oportunidade”, sem saber a diferença entre “lucros reais” e “lucros nominais”, sem saber calcular juros compostos, estas pessoas são facilmente ludibriadas por uma avalanche de informações incorretas e distorcidas. Numa reportagem publicada em 2014 na revista InfoMoney[4], por exemplo, o articulista comenta que se a pessoa aplicasse na poupança R$ 105 milhões (MegaSena), poderia usar os rendimentos para comprar um apartamento por mês, e faz os cálculos para “demonstrar” sua afirmação usando lucros nominais! O fato real é que desde as mudanças de 2012, a poupança nunca mais conseguiu alcançar a inflação e tem gerado prejuízos reais, portanto aplicando na poupança a pessoa perderia um apartamento a cada semestre, em vez de ganhar um por mês. Se uma revista especializada publica vários artigos com erros tão primários quanto este, o que se pode esperar da maneira como a maioria da população analisa os investimentos? Revistas que deveriam informar, orientar e esclarecer, em vez disso induzem o leitor ao erro, alimentando a ilusão de que a poupança possibilita algum ganho, quando na verdade ela apenas atenua parcialmente a perda produzida pela inflação. Outro ponto que requer atenção é sobre os critérios para certificação de gestores, que envolvem um curso de poucos dias e depois é aplicada uma prova cujo conteúdo não tem a mais remota possibilidade de aferir a capacidade do aspirante a gestor para exercer sua função. Como resultado, a maioria dos gestores profissionais, certificados pelas entidades reguladoras, contratados por grandes bancos e corretoras, apresenta performances piores que a de um chimpanzé[1]. Isso não significa que o chimpanzé esteja mais capacitado que os gestores humanos. Isso apenas reflete a imensa dificuldade do problema que é a modelagem do Mercado Financeiro, a tal ponto que pessoas instruídas e inteligentes, que dedicaram décadas ao estudo do assunto, não conseguem resultados melhores do que compras e vendas aleatórias. O uso do chimpanzé no experimento publicado no Wall Street Journal serviu para dramatizar e satirizar a situação, mas o que se pretende mostrar é que os resultados obtidos por gestores profissionais são indistintos dos que se poderia obter sorteando aleatoriamente os componentes do portfólio. Esse fato deveria causar grande preocupação e constrangimento às entidades reguladoras dos EUA que certificam estes gestores e reconhecem a validade destes certificados. Outrossim, não se deve pensar que se trata de um problema exclusivo dos EUA. O Brasil não está melhor. O número de gestores brasileiros com performances positivas nos últimos 15 anos e que continuam positivos também nos últimos 5 anos, em termos reais (descontando inflação), pode-se contar nos dedos de uma das mãos. Porém o número de pessoas autorizadas e credenciadas para comercializar produtos e serviços de investimentos, inclusive recomendações de compras e vendas e administração de carteiras, é milhares de vezes maior. 3. LÓGICA E MATEMÁTICA DO FENÔMENO DO CHIMPANZÉ Para que se possa ter uma ideia melhor sobre os motivos pelos quais o chimpanzé teve resultados melhores que a média dos gestores humanos, suponha um exame constituído por 100 itens de múltipla escolha, com 2 alternativas em cada item. Digamos que o nível de dificuldade dos itens seja compatível com o nível de habilidade das pessoas examinadas. Então é esperado que os escores obtidos pelas pessoas sejam uma combinação do nível de habilidade com o fator sorte. Uma pessoa que consegue responder corretamente 60 dos 100 itens, deve acertar estes 60 mais uma parte dos outros 40. Esta parte dos 40 será definida por uma distribuição binomial, cujo pico de frequência será 20, então o resultado mais provável é que no total acerte 20 + 60 = 80. Pois cada item tem 2 alternativas, portanto há 50% de probabilidade de acerto por sorte. Isso não quer dizer que todas as pessoas que conseguem resolver 60 marcarão exatamente 80, pois embora os 60 pontos “garantidos” sejam fixos entre todas as pessoas que sabem 60 das respostas, há uma parte que varia com a sorte, que são os 40 itens “chutados”. Por isso algumas das pessoas que conseguem resolver 60 farão 79 pontos, outras farão 78, 77, 81, 82 etc. Analogamente, as pessoas que souberem 56 respostas, devem acertas estas 56 mais metade das 44 chutadas, ou seja, espera-se que tenham escore médio 78. Porém algumas que conseguem resolver 56 podem ter um pouco mais de sorte e acertar 25 entre os 44 chutadas, marcando um total de 81 e, com isso, algumas que conseguem resolver 56 ficam acima da média daquelas que conseguem resolver 60. Agora imagine um teste tão difícil que as pessoas examinadas não consigam acertar nenhuma questão. Pode ser uma prova da Olimpíada Internacional da Matemática, por exemplo, ou os 10 últimos itens do Sigma Test. Numa situação como esta, diz-se que o teste não é adequado para discriminar entre os diferentes níveis de habilidade das pessoas examinadas, porque tanto as pessoas com maior nível de habilidade quanto aquelas com menor habilidade teriam escore 0 se a prova fosse discursiva. Como a prova é de múltipla escolha, em vez de todas marcarem zero, os escores gerados por chutes aleatórios terão uma distribuição binomial, porém estes escores não representam os níveis de habilidade. São simplesmente fruto de flutuações estatísticas e vão se distribuir aleatoriamente. É exatamente essa a situação do chimpanzé e dos 100 gestores profissionais. Portanto, embora os gestores sejam muito mais habilidosos que o chimpanzé, bem como alguns gestores sejam muito mais competentes que outros, o nível de dificuldade da “prova” é tão alto a ponto de que, se não houvesse múltipla escolha (subir/cair), todos eles, inclusive os mais habilidosos, teriam escore 0. Como as cotações podem se mover em basicamente dois grupos de direções (para cima ou para baixo), e as probabilidades são quase equivalentes, então as escolhas são como numa prova com 2 alternativas em cada item. A altíssima dificuldade para modelar o Mercado faz com que todos os gestores, inclusive os mais habilidosos, não consigam acertar nenhuma decisão, e isso “achata” todos os escores no nível mínimo, que é o nível definido pela sorte, assim as diferenças de performances são fruto do acaso e não refletem nenhuma informação relevante sobre a habilidade desses gestores. Por isso não foi observada diferença estatisticamente significativa entre o chimpanzé e a média dos 100 gestores humanos. 4. ABRANGÊNCIA DO PROBLEMA O estudo com os chimpanzés cobre uma pequena parte de um problema muito mais amplo. Alguns professores de investimentos alegam ter “preparado” mais de 100.000 alunos. A dúvida é: preparado para quê? Se apenas 1 professor dissemina suas superstições entre 100.000 incautos, qual é o total de vítimas? Se somar alunos de todos os professores, deve totalizar algo entre 200.000 e 300.000 (não muito mais devido à redundância, já que muitos alunos participam de cursos com vários professores). É um número alarmante, porque se existem menos de 10 pessoas no Brasil que conseguem de fato ganhar dinheiro com operações financeiras de forma consistente, e 300.000 que compram algum produto “educacional” de investimento na expectativa de que venham a se tornar capazes de obter lucro usando o que aprenderam, algo não está certo. Entre as pessoas que ingressam numa faculdade de Engenharia, ou Medicina, ou Direito, e aquelas que de fato terminam o curso, não há uma proporção de 1:1, porque boa parte abandona o curso sem concluir. De acordo com reportagem publicada em 2013[5], 44% dos alunos matriculados em faculdades de Engenharia finalizaram o curso. Engenharia é considerado um dos cursos mais difíceis e com maior taxa de evasão, mesmo assim quase 50% permaneceram até concluir. Digamos que nem todos os que terminam o curso de Engenharia estejam suficientemente capacitados para exercer com diligência as atividades que se espera de sua profissão. Numa estimativa muito pessimista, podemos supor que apenas 10% se tornam profissionais bem sucedidos, no sentido de que conseguem ganhar dinheiro exercendo sua profissão. Agora vamos comparar aos participantes de cursos de investimentos: 0,003% chegam a produzir resultados positivos e gerar algum lucro com o que aprenderam. Por que 99,997% dos participantes destes cursos não conseguem ganhar dinheiro? Falta algo aos alunos? Ou o conteúdo dos cursos não oferece subsídios suficientes para que sejam capazes de obter lucro? Para compreender esse fenômeno, podemos analisar os resultados de um experimento realizado nos anos 1980 por um dos maiores traders do mundo. Em 1983, Richard Dennis fez uma aposta com William Eckhardt sobre ser possível treinar qualquer pessoa para se tornar um trader profissional[6]. Dennis defendia ser possível, enquanto Eckhardt defendia que era necessário ter aptidões inatas específicas, lapidadas com treinamento. Dennis publicou um anúncio no Wall Street Journal, recrutando candidatos para receber treinamento. Cerca de 15.000 pessoas se inscreveram. Ele fez uma seleção por exame escrito, depois uma entrevista com os candidatos que obtiveram melhores resultados no exame e, no final, selecionou 23 pessoas, às quais ofereceu treinamento por 2 semanas e, em seguida, as colocou para operar. Este grupo ficou mundialmente conhecido como os “Turtle Traders”. Na segunda metade dos anos 1980, com a alta da bolsa, os turtles ganharam bastante e desfrutaram um sucesso temporário, mas logo ficou evidente que não tinham consistência de longo prazo. Dos 23 turtles, apenas 1 teve sucesso a longo prazo: Jerry Parker, que continua ativo ainda hoje, com performance média de 12,17% ao ano desde 1988, em seu fundo Chesapeake Capital[7]. Incrivelmente, Dennis achou que venceu a aposta, e várias pessoas em sites, blogs e fóruns citam essa história como se Dennis tivesse vencido. No entanto está claro que Dennis estava errado, enquanto a opinião de Eckhardt estava bem mais próxima à realidade. Considerando que o anúncio no jornal teve alcance de milhões de pessoas, entre as quais houve uma self-selection que levou 15.000 a se interessarem, e destas 15.000 ele selecionou os 23 que achou mais qualificados e, depois de os treinar, apenas 1 entre todos eles teve sucesso, então o resultado sugere claramente que cerca de 1 em 1.000.000 de pessoas tem condições de ficar positiva no Mercado de forma consistente a longo prazo. Para que Dennis pudesse testar corretamente sua tese de que qualquer pessoa pode ganhar no Mercado, desde que receba treinamento adequado, ele teria que sortear 100 pessoas pelas ruas. Nem pela lista telefônica valeria, porque em 1984 a posse de um telefone já representava um público mais seleto e a amostra estaria enviesada. Além disso, é provável que o “treinamento” de 2 semanas tenha sido quase irrelevante. Provavelmente Parker teria obtido o mesmo sucesso se não tivesse recebido tal treinamento (talvez demorasse mais para aprender sozinho). O que se pode inferir disso? Os fatos são bastante claros: Richard Dennis, um dos melhores traders do mundo, com resultados comprovados durante décadas, selecionou algumas pessoas que, no seu julgamento, reuniam os atributos mais importantes para que tivessem alguma chance de obter sucesso no Mercado, e as treinou pessoalmente. Mesmo assim, apenas uma delas teve sucesso, e não foi tão expressivo (lucro anual médio de 12%). Esta é uma parte da resposta ao problema. Mostra que mesmo com um professor excepcional, é extremamente difícil aprender a operar de modo a gerar lucros de forma consistente. Portanto, mesmo que os cursos fossem oferecidos por traders competentes e eles ensinassem algo útil, ainda assim só uma reduzidíssima parcela da população teria os atributos necessários para conseguir tirar algum proveito dos ensinamentos, enquanto cerca 99,999% das pessoas perderiam tempo e dinheiro nos cursos e mais dinheiro tentando usar o que acreditariam ter aprendido. Mas no cenário real é pior, porque não é Richard Dennis que oferece os cursos. Praticamente todos os vendedores de cursos, livros, palestras etc. estão negativos no mercado. Se os próprios professores estão perdendo de forma persistente, qual é a probabilidade de que os alunos destas pessoas consigam aprender algo útil e possam ter algum lucro? Como há 50% de probabilidade de ganhar por acaso, claro que o fator sorte acaba contribuindo muito para iludir as multidões, e justamente por isso é que a filtragem deveria ser realizada por uma entidade fiscalizadora, já que a população não tem conhecimento para isso. Além de gestores que operam com resultados piores que os de chimpanzés e vendedores de cursos que são como água com farinha, o problema se estende até bem mais longe. Nos últimos anos, estão na moda os robôs. A pessoa acha que basta usar tecnologia de ponta, vazia de conteúdo, para ter algum sucesso. Embora os robôs estejam no único grupo que tem alguma possibilidade de viabilizar investigações científicas sobre a qualidade das estratégias utilizadas, o que se observa na prática é que não existe a menor seriedade dos desenvolvedores. Alguns realmente não sabem o básico sobre os estudos que precisariam ser realizados para validar uma estratégia. Outros talvez saibam, mas maquiam os resultados de diferentes maneiras. 5. COMO RESOLVER O PROBLEMA O assunto é complexo e a solução é difícil. Eliminar abruptamente os agentes que introduzem ruído no Mercado provocaria uma redução brutal na liquidez. Além disso, não é correto “jogar no mesmo saco” todos os professores. Um dos melhores treinadores de Xadrez do mundo, Mark Dvoretzky, não é um grande competidor, mas sua habilidade como treinador é inquestionável, e seus alunos são frequentemente muito melhores que ele. Outro exemplo é Lazslo Polgar, pai da lendária Judit Polgar. Ele nem sequer é um bom jogador, mas suas 3 filhas, às quais ele aplicou seu método de treinamento, resultaram em uma campeã mundial, uma hors concours e uma entre as 10 melhores do mundo. Em geral, os melhores professores são também os mais habilidosos em suas atividades, mas há algumas raras exceções em que o professor pode oferecer excelente bibliografia, excelente método pedagógico, excelente apoio moral, e como resultado atua como orientador mais do que como professor. Antes de prosseguir nesse artigo, precisaremos conceituar “placebo” no âmbito dos investimentos: Buy & Hold do índice é praticamente o mesmo que “um chimpanzé operando de olhos vendados”, portanto pode ser usado como referência de placebo. Qualquer comparação com Buy & Hold serve como teste para avaliar um investimento. A comparação não deve se limitar à rentabilidade. Também é necessário comparar o risco (especialmente máximo drawdown) e a homogeneidade histórica. Antes de apresentar uma proposta de solução ao problema, é importante distinguir entre 4 categorias de cursos: 1. Cursos nos quais se ensina algo consensualmente útil, mas que não possibilita obter lucros no Mercado, e não se cria no aluno a expectativas de auferir lucro. Alguns exemplos são gerenciamento de risco, matemática financeira, programação de robôs. Desde que o vendedor não iluda o comprador fazendo-o acreditar que poderá ganhar com investimentos usando o que aprendeu, não configura desonestidade. 2. Cursos nos quais se cria a ilusão no aluno de que ele poderá usar o que aprendeu para obter lucro, como uso de indicadores de análise técnica, ondas de Elliot, análise gráfica etc. Deploravelmente a esmagadora maioria dos cursos vende exatamente este tipo de ilusão. 3. Cursos que geram lucro por efeito placebo, mas criam no aluno a ilusão de que este lucro decorre do método utilizado, quando na verdade equivale a escolhas aleatórias. Os usuários de Análise Técnica, cedo ou tarde acabam percebendo que este recurso é inútil, pois perdem muito rapidamente. Porém os usuários de Análise Fundamentalista acabam tendo muito mais dificuldade para enxergar a ineficiência do método que adotam, porque não é muito inferior a Buy & Hold do índice, inclusive pode gerar um pequeno lucro a longo prazo, e isso alimenta a ilusão por uma vida inteira. É basicamente igual a um placebo. Talvez os vendedores de cursos de Análise Fundamentalista, em sua maioria, não hajam de má fé e nem estejam cientes de que estão vendendo água com farinha. Provavelmente acreditam que a seleção de ativos ou a escolha dos momentos de compra e venda lhes permite ganhar mais do que se o portfólio fosse composto por sorteio. Contudo, o experimento com o Chimpanzé põe por terra essa superstição, deixando claro que os resultados obtidos por meio de seleções extremamente criteriosas, realizadas por profissionais de Wall Street, são um pouco piores que as escolhas feitas por um chimpanzé com os olhos vendados. 4. Cursos nos quais se ensina algo que realmente possibilite ao aluno ganhar de forma consistente no Mercado. Até onde sei, não existe e nunca existiu algum curso na categoria “4”. O curso de Richard Dennis, por exemplo, reprovou mais de 99,99% dos candidatos e 95% dos finalistas. Além de ter uma taxa de reprovação de quase 100%, não existe curso no Brasil ministrado por um professor cujo histórico chegue a 1% do nível de sucesso alcançado por Richard Dennis. Aliás, creio desde os anos 1980 não existe nenhum curso como este no mundo. Feita esta distinção entre as 4 categorias de cursos, será apresentada, a seguir, uma lista resumida de procedimentos por meio dos quais se pode atenuar gradualmente uma parte do problema, bem como se pode resolver imediatamente outra parte. Critérios para aprovação de gestores, analistas, professores e robôs de investimentos: Os critérios foram divididos em 3 níveis: contas reais, simulação em tempo real com dinheiro virtual, e simulação em backtest. Essa divisão é importante para que um gestor capacitado não leve 10 anos para ser reconhecido. Ao mesmo tempo, é importante para evitar que um gestor sem capacitação seja aprovado com insuficiência de evidências. • Real: Histórico de rentabilidade em conta real durante pelo menos 10 anos com performance média acima de um benchmark (Ibov, inflação ou CDI), com máximo drawdown menor que o do Ibov no mesmo período, e alfa de Cronbach dos logaritmos dos lucros mensais acima de 0,7. • Simulador em tempo real: Histórico de rentabilidade em conta demonstrativa ou simulador durante pelo menos 15 anos com performance média acima de um benchmark (Ibov, inflação ou CDI), com máximo drawdown menor que o do Ibov no mesmo período, e alfa de Cronbach dos logaritmos dos lucros mensais acima de 0,7. • Simulador em backtest: Histórico de rentabilidade em backtest durante pelo menos 20 anos com performance média acima de um benchmark (Ibov, inflação ou CDI), com máximo drawdown menor que o do Ibov no mesmo período, alfa de Cronbach dos logaritmos dos lucros mensais acima de 0,7 e demonstração de similaridade entre backtest e conta real acima de 0,8 no balanço anual médio durante pelo menos 1 ano. O certificado deve ser concedido em 2 etapas: o aspirante que atender a um ou mais dos 3 quesitos acima recebe um certificado em caráter provisório, que valerá por 3 anos, desde que o gestor não gere perdas superiores a 40% em relação ao balanço inicial. Se em algum momento o equity ficar abaixo de 60% do balanço inicial, o gestor perderá sua licença. Se ao longo dos 3 anos não houver nenhum momento em que o equity fique abaixo de 60% do balanço inicial, e se ao final de 3 anos houver lucro acima do índice e acima do CDI, então o gestor terá mais 10 anos para atuar. Ao longo destes 10 anos não poderá gerar perdas acima de 50% no equity e ao final de 10 anos precisará estar com performance acima do CDI e acima do índice. Se atender a estes quesitos, ao final de 10 anos receberá o certificado definitivo. Se não atender a estes quesitos, mas estiver pelo menos acima da inflação, terá mais 10 anos de oportunidade para tentar mostrar sua habilidade. Se em 10 anos terminar o período abaixo da inflação, perderá seu certificado. Mesmo depois que o certificado definitivo tiver sido concedido, se houver perdas substanciais e que não sejam muito bem justificadas, ou se houver períodos muito longos (10 anos ou mais) com rentabilidade abaixo da inflação, pode-se submeter o certificado do gestor a uma análise para votação para anulação. Os períodos propostos de 10 anos, 15 anos, 20 anos são estimativas aproximadas de modo a incluir uma variedade suficiente de cenários mercadológicos, para aferir o desempenho do gestor em diferentes condições, minimizando o fator sorte. Não precisam ser exatamente estas as durações, mas é importante que sejam períodos longos o suficiente para incluir pelo menos 2, 3 e 4 grandes crises. Para que haja objetividade, o critério para qualificar uma “grande crise” pode ser um drawdown no índice maior que 40%. As exigências para gestores, analistas e professores devem ser basicamente as mesmas. Nos casos de professores, como a proposta é de que sejam capazes de transmitir o conhecimento e capacitar os alunos, torna-se necessário a exigência adicional de apresentar evidências de que pelo menos 55% dos alunos se tornaram capazes de ganhar mais que um chimpanzé. Esse detalhe é importante. Se uma pessoa afirma que pode ganhar dinheiro lutando Boxe, e apresenta evidências de que realmente consegue, isso não é suficiente para que se acredite que ela também será capaz de educar/treinar outras pessoas para se tornarem profissionais de Boxe. Muito menos de 1 em cada 100.000 pessoas consegue ganhar a vida lutando Boxe e mesmo estas que conseguem, raramente algum de seus alunos também conseguirá. Com investimentos é ainda mais difícil, e também mais perigoso pelo fato de não aparentar ser tão difícil, devido ao fator sorte. Como há cerca de 50% de probabilidade de acertar por sorte em cada operação, é muito fácil a pessoa se iludir achando que seu método está obtendo lucro, sem que de fato esteja. Só depois de um período suficientemente longo e após uma quantidade suficientemente grande de operações, numa variedade suficientemente ampla de cenários é que se pode distinguir resultados obtidos por sorte de resultados que indiquem uma estratégia superior, e mesmo assim essa distinção não é óbvia e requer um conhecimento razoável de Estatística. APROVAÇÃO DE ARTIGOS, CURSOS, PALESTRAS, PROFESSORES ETC. Neste ponto é importante não ultrapassar os limites assegurados pela liberdade de expressão. Ao mesmo tempo, é imprescindível que se estabeleça um controle de qualidade do que é publicado e ensinado. Em linhas gerais, espera-se que um artigo, curso ou palestra de qualidade professe conhecimentos solidamente estabelecidos, em vez de superstições, palpites e opiniões pessoais. Por isso a filtragem pode ser baseada na eficiência do conteúdo a ser transmitido. Um curso honesto pode ensinar aspectos jurídicos dos investimentos, ou ensinar a programar para que se possa implementar uma estratégia automática, ou ensinar métodos estatísticos para gerenciamento de risco, ou teoria dos jogos, ou matemática financeira. Há muitas possibilidades de conteúdos que podem ser ensinados, que sejam úteis, que sejam bem fundamentados, que não criem falsas expectativas nos alunos. Quaisquer destes conteúdos podem ser aprovados sem qualquer restrição, desde que sigam os padrões vigentes da literatura reconhecida em cada uma destas áreas. Porém nos casos em que o professor alega que vai ensinar um método capaz de gerar algum lucro, seja por meio de análise técnica, fundamentalista, gráfica, intuitiva ou qualquer outra, ele precisa apresentar um histórico de resultados comprovando que o método a ser ensinado produz os efeitos que ele alega, bem como precisará mostrar que os alunos serão capazes de aprender e aplicar este método. Se ele puder apresentar um histórico de que conseguiu resultados acima de Buy & Hold do índice nos últimos 10 anos, terá o direito provisório de ensinar durante 3 anos. Em seguida, será feito um levantamento dos resultados obtidos por seus alunos, para apurar se o ensinamento produziu algum efeito. Entre pessoas (ou chimpanzés) operando aleatoriamente, espera-se que 50% fiquem acima de Buy & Hold do índice e 50% fiquem abaixo. Portanto será necessário que pelo menos 55% dos alunos obtenham resultados melhores do que Buy & Hold do índice. Se menos de 55% dos alunos nos últimos 3 anos superarem Buy & Hold do índice, o professor deve perder sua licença para ensinar, pois não haverá a mínima evidência de que seus ensinamentos estão proporcionando a seus alunos qualquer vantagem competitiva em comparação a um chimpanzé. Uma nova avaliação com os alunos deve ser feita depois de 10 anos, para confirmar ou anular a licença definitiva. É muito frequente a falácia utilizada por professores de value investing de que este é o método utilizado por Buffett, portanto funciona e estaria validado nos 59 anos de sucesso de Buffett. Esta alegação não procede, porque na verdade o professor não sabe e não compreende o método usado por Buffett, ele sabe apenas muito superficialmente o que Buffett faz. Se ele realmente soubesse o como Buffett opera, teria resultados similares aos de Buffett. E pior: mesmo que ele soubesse exatamente o que Buffett faz, não haveria garantias de que ele saberia transmitir esse conhecimento, e mesmo que soubesse transmitir não haveria garantias de que os alunos seriam capazes de assimilar. Portanto seria um erro grave usar o histórico de Buffett para justificar o ensino de tal método. Mesmo que o próprio Buffett fosse o professor, ainda seria necessário mostrar que os alunos dele seriam capazes de obter lucro. EXCEÇÕES: Tanto Buffett, em 1956, quanto Soros, em 1968, não seriam aprovados como gestores nem para qualquer outra função listada acima, com base nestes critérios. Isso levou o amigo J.A.L.J. a sugerir alterações nos critérios, de modo a torná-los compatíveis com a aprovação destes lendários gestores. Isso cria algumas dificuldades, porque embora Soros e Buffett fossem notáveis desde aquela época, no início de suas carreiras não havia elementos suficientes que possibilitassem prever o sucesso que alcançariam. Estes elementos só foram se tornando conhecidos à medida que seus ganhos foram se concretizando. Portanto, embora uma avaliação retroativa possa sugerir que Buffett e Soros deveriam ser aprovados, esta é uma avaliação post facto. Por exemplo, em 1905, Einstein era tão brilhante quanto nas décadas seguintes, mas ainda não era reconhecido. Era um anônimo perdido no meio da multidão, e não era levado a sério. Inclusive seu “amigo” Marcel Grossmann não quis “desperdiçar” seu precioso tempo para ajudar Einstein com a matemática necessária para formalizar a Teoria Geral da Relatividade. Em vez de tratar da parte matemática, Grossmann apenas fez algumas sugestões bibliográficas a Einstein, para que, se Einstein desejasse, ele próprio aprendesse sobre tensores e fizesse o trabalho. Com isso, Grossmann entrou para a história como um semianônimo, com pequeno papel figurativo, sendo que numa carta de Einstein para Lorentz, o brilhante físico sugeriu que teria mencionado Grossman como co-autor da Teoria da Relatividade, se Grossmann o tivesse ajudado com a formalização e os cálculos. Quando finalmente Einstein atingiu o domínio necessário das ferramentas matemáticas de que precisava, pôde revisar alguns de seus cálculos de 1911 e fazer novas previsões sobre o ângulo de deflexão da luz ao passar pelas proximidades do Sol, e somente em 1919, com o eclipse observado em Sobral e Príncipe, é que sua obra foi reconhecida. Quem poderia ser culpado por não reconhecer os méritos de Einstein em 1905? Havia várias outras tentativas para explicar os resultados obtidos por Michelson e Morley, que assumiam diferentes premissas e chegavam em diferentes resultados. A teoria de Einstein era mais uma. Para saber qual das teorias encontraria melhor respaldo nos dados experimentais, seria necessário testar mediante observação e aferição. Assim, transcorreram alguns anos até que os testes fossem realizados e as hipóteses de Einstein verificadas experimentalmente e ganhassem o status de “teoria”. Com Buffett e Soros a situação é semelhante. Hoje sabemos que são gestores extraordinários, assim como eram desde 1956 e 1968, porém naquela época não havia dados suficientes para saber. O máximo que se poderia fazer seria aplicar testes que pudessem prognosticar estes resultados. Os exames da época se mostraram extremamente ineficientes, porque além de ambos não terem sido aprovados, ainda por cima vários outros gestores menos qualificados foram aprovados, e quase todos estes aprovados não apresentaram resultados melhores que os de um chimpanzé. Um exame que possibilitaria a correta identificação do potencial de Buffett e Soros e, ao mesmo tempo, filtraria corretamente a grande maioria dos gestores insuficientemente qualificados, seria uma espécie de backtest fundamentalista. Este será tema para um próximo artigo.
CONCLUSÃO Este artigo não pretende apresentar uma solução definitiva ao problema, mas apenas dar o primeiro passo no sentido de incentivar uma fiscalização mais rigorosa e justa, com exigências mais adequadas. Ao mesmo tempo, esclarecer o público sobre alguns pontos importantes, tais como a real expectativa que se pode ter ao entregar o dinheiro para ser administrado por um gestor que não seja um dos melhores do mundo. [1] https://www.saturnov.in/artigosv/chimpanzes http://www.automaticfinances.com/monkey-stock-picking/ http://www.wsj.com/articles/SB10001424052748704893604576200252914852590 [2] https://www.mql5.com/pt/code/mt4/experts http://mt4talk.com/viewforum.php?id=3 [3] http://www.infomoney.com.br/onde-investir/ranking-de-fundos [4] http://www.infomoney.com.br/onde-investir/renda-fixa/noticia/3202048/105-milhoes-mega-senarenderiam-apartamento-por-mes [5] http://g1.globo.com/educacao/noticia/2013/07/so-44-dos-alunos-de-engenharia-da-ultima-decadaterminaram-o-curso.html [6] https://en.wikipedia.org/wiki/Richard_Dennis http://www.originalturtletrader.com/turtle-story.htm http://www.investopedia.com/articles/trading/08/turtle-trading.asp [7] http://ctaperformance.com/chesapeake