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13 de janeiro de 2024

O COMETA MAIS ESPETACULAR DOS ÚLTIMOS ANOS

por Hindemburg Melão Jr.


Meu interesse por Astronomia começou na infância. Tinha muita curiosidade sobre o Sol, a Lua, o que eram as estrelas. Aos 7 anos de idade, a rede Globo começou a transmitir o seriado “Cosmos”, de Carl Sagan, nos domingos de manhã. Assisti com grande interesse e admiração pela maneira didática e cativante como Sagan explicava o funcionamento do universo. Em seguida, pedi de presente à minha mãe o livro “Cosmos”, depois ganhei de minha tia Leila a coleção em 3 volumes “Gênios da Humanidade”, de Isaac Asimov, com 1211 biografias de cientistas desde 2650 a.C. até 1976, e de minha outra tia Rita “O colapso do universo” de Isaac Asimov, com uma boa introdução à Astronomia e à Cosmologia. Depois comecei a tomar emprestados livros em bibliotecas, praticamente todos que tratavam de Astronomia, e li algumas dezenas, alguns antigos, a maioria com conteúdos muito redundantes, mas o que mais me impactou foi sem dúvida Cosmos, não apenas por ter sido o primeiro, mas por ser um livro que incentiva a pensar e compreender. Quando eu tinha 13 anos, meu pai me deu, com muito sacrifício, um pequeno telescópio refrator de 50 mm, que nos grupos de Astronomia as pessoas chamam maldosamente de “lixoscópio”, inclusive em muitos textos online os autores usavam essa expressão ofensiva para depreciar a qualidade dos equipamentos das pessoas que, como eu não tinham condições de comprar o que eles consideram “bons telescópios”. O que eles chamavam “lixoscópio”, para uma criança pobre como eu, e apaixonado por Astronomia, foi um presente que proporcionou momentos muito felizes e um aprendizado diferente do que obtinha nos livros. Pude observar os 4 maiores satélites de Júpiter e os anéis de Saturno. Aos 14, comecei a me interessar por Xadrez, depois por ciência cognitiva e psicometria, e a partir de 2005 comecei a me interessar por investimentos. Passei alguns anos afastado da Astronomia.

 

Foi somente aos 36 que voltei a me interessar novamente, adquiri um telescópio de médio porte, um Celestron 203 mm, mas em seguida comecei a me dedicar quase exclusivamente aos investimentos, e novamente deixei a Astronomia de lado, só retomando depois dos 40 anos, quando adquiri um ETX 127 mm motorizado, um Celestron 102 motorizado, um SkyWatcher 102 mm, dois Meade 102 mm, um Lomo 70 mm, um Jason Comet 76 mm, um Bushnell 114 mm, um Meade 114 mm, um Meade 80 mm, entre outros...



E em 2019 adquiri um Meade LX 200 GPS computadorizado, com o qual fiz algumas fotos agradáveis, tão boas ou melhores do que as que eu via nos livros de Astronomia quando era criança.




Tive a oportunidade de fotografar todos os planetas, inclusive alguns planetas anões (Plutão, Ceres, Haumea e Makemake), muitos asteroides, satélites, galáxias de diferentes tipos, aglomerados globulares e abertos, cometas e uma extensa lista de objetos incomuns e históricos, como o centauro Hidalgo que tem características mistas de cometa e asteroide, o asteroide duplo Antíope, a pequena companheira degenerada de Sírius formada por fluido de Fermi (um material peculiar presente em anãs brancas, que são objetos que brilham como estrelas, mas a luz não é produzida por reações nucleares), filmei uma ocultação de Marte ao passar por trás da Lua, fotografei a Nebulosa do Caranguejo dentro da qual existe um pulsar que foi confundido com sinais alienígenas nos anos 1960 e cuja matéria está tão densamente comprimida que 1 colher de chá do material desse objeto pesa 500 vezes mais do que a pirâmide de Quéops, filmei a estação espacial ISS passando em frente à Lua, fotografei o cometa de Encke do qual se supõe que desprendeu um fragmento que provocou a grande explosão em Tunguska em 1908, fotografei o quasar 3C 273 que durante muito tempo foi um mistério, por ser pouco maior do que uma estrela e 100 bilhões de vezes mais luminoso do que o Sol, fotografei a primeira cefeída descoberta fora da nossa galáxia por Edwin Hubble, em 1923, que serviu como base para revisar toda a escala do universo observável, fotografei o quasi-satélite da Terra Cruithne que tem uma órbita geocêntrica em forma de “biscoito”, fotografei algumas supernovas, galáxias, nebulosas, asteroides, inclusive os asteroides Tamara (foto abaixo), Gaussia, Galilea, Hypatia, Sagan, Asimov, Bach, Beethoven, Isis e Fortuna, e tentei (mas não consegui) fotografar os asteroides Leonardo, Newton, Einstein, Aristóteles, Arquimedes, Kepler, Euler, Hawking, Aristarchus, Hipparchus, Gagarin, Sokrates, Apophis e Dostoevsky. Fotografei os 2 pequeninos satélites de Marte Phobos e Deimos, fotografei os 12 primeiros (em ordem de descoberta) satélites de Júpiter, os 11 primeiros de Saturno, os 4 primeiros de Urano e 2 primeiros de Netuno, além de várias fotos de objetos mais comuns, como as principais nebulosas, aglomerados globulares e abertos, galáxias etc.



Entre essa variedade de astros, o que mais despertou meu interesse pela observação e fotografia foram os cometas, talvez porque as reportagens sobre o cometa de Halley, durante minha infância, me causaram grande expectativa, que resultaram numa grande frustração. Agora finalmente surge a oportunidade de observar um cometa extraordinário, por isso decidi compartilhar com todos que também se interessam por Astronomia, pela Arte Divina e pela beleza do Universo.

 

Cometas são objetos peculiares que ao longo da História fascinaram a humanidade. Tipicamente, o Sol e a Lua são os astros com maior tamanho aparente e ambos são facilmente visíveis. No céu há astros com maior tamanho aparente, como a galáxia de Andrômeda, 5 vezes maior do que a Lua, mas seu brilho é muito tênue, por isso não causa grande impressão. Além disso, ela sempre na mesma posição, acompanhando o movimento das estrelas, seu tamanho aparente não muda, nem seu brilho, nem sua forma. Na verdade, mudam, mas leva milhões de anos para que tais mudanças sejam perceptíveis a olho nu.

 

Os cometas eram muito diferentes: surgiam de forma inesperada, como pequenas manchinhas nebulosas, cresciam rapidamente, em poucos dias, e se moviam em relação às estrelas de fundo a um ritmo fácil de perceber de um dia para o outro, ou até mesmo em questão de poucas horas. Eles podem ter diferentes cores, formas e tamanhos. Eles podem ter uma ou mais caudas, que podem medir 150 vezes o tamanho da Lua e serem quase tão brilhantes quanto ela, a podem de serem observados durante o dia.

 

Cometas são muito diferentes de outros objetos celestes e só começaram a ser bem compreendidos no final do século XVII.

 

Há registros de cometas desde milhares de anos antes de Cristo. Na caverna de Lascaux há um afresco de 15.200 anos que alguns arqueólogos interpretaram como de um possível cometa, e nas ruínas de Gobekli Tepe há um possível registro de 11.500 anos. Os chineses, egípcios e mesopotâmios fizeram registros indicando posições e datas desde pelo menos 3.500 a.C. Mas foi somente por volta de 350 a.C. que Aristóteles tentou compreender o que eram esses objetos.

 

Devido ao seu aspecto nebular e ao fato de mudarem de tamanho e forma, Aristóteles concluiu que os cometas deveriam ser fenômenos atmosféricos. Na época não era bem estabelecido o conceito de “atmosfera”, por isso ele interpretava como “fenômeno sublunar”, abaixo da Lua. Essa opinião foi compartilhada por Galileu, 2000 anos depois.

 

Galileu, Pascal e Torricelli tinham uma boa compreensão do que era atmosfera, inclusive mediram algumas propriedades do ar, e desde 1610 Galileu sabia que a Lua e possivelmente os outros astros eram constituídos por rochas, como a Terra. Os cometas, entretanto, tinham um aspecto bem diferente, muito mais parecido com nuvens, e ele sabia que as nuvens estavam muito abaixo da Lua, inclusive algumas montanhas tinham pico mais elevado do que algumas nuvens.

 

Tycho Brahe, ao tentar medir a distância do cometa de 1577 por um método similar ao da paralaxe, constatou que o cometa estava excessivamente distante para que sua paralaxe pudesse ser medida. Com isso, Tycho mostrou que Aristóteles e Galileu estavam equivocados.

 

Os instrumentos de Tycho eram os melhores já construídos até aquela época, com os quais ele podia medir a paralaxe da Lua com precisão de 98%. A resolução de seu quadrante era de 2’ de arco, ou seja, 1/10.000 da circunferência, portanto se o cometa estivesse a uma distância na qual o raio da Terra representasse um seno de 2’ de arco ou maior, ele ainda seria capaz de medir. Como a distância era tão grande que não produzia efeito paraláctico, ele concluiu que o cometa de 1577 estava a pelo 5 vezes mais distante do que a Lua, e ele estava correto.

 

Muito antes de Tycho, no século I d.C., Sêneca já discordava de Aristóteles, baseado em que seria muita coincidência se os cometas se movessem quase exatamente no mesmo ritmo das estrelas em torno da Terra, a cada 23 h 56 min. Se um cometa fizesse parte da atmosfera, como as nuvens, deveria ter movimento angular aparente muito mais rápido e cruzar o céu inteiro em alguns minutos, em vez de levar quase 24h. Também seria uma coincidência ainda maior que todos os cometas compartilhassem esse padrão de movimento, de Leste para Oeste, tal como fazem o Sol, a Lua, as estrelas e planetas, enquanto as nuvens se movem para qualquer lado. Além disso, em condições de ventanias intensas, os cometas “não reagiam” ao vento.

 

Embora os argumentos heurísticos de Sêneca fossem superiores aos de Aristóteles e Galileu, a refutação determinística só ocorreu de fato com Tycho Brahe, e a “prova” conclusiva veio com Edmond Halley, que em 1705 utilizou a Teoria da Gravitação proposta por Newton para calcular qual seria a trajetória esperada de 23 cometas cujas posições haviam sido registradas detalhadamente.

 

Halley usou cerca de metade dos registros de cada cometa para calcular como deveria ser a trajetória subsequente e, em seguida, conferiu se as trajetórias medidas correspondiam aos cálculos. Todos se encaixaram muito bem nas previsões. A partir daí, Halley calculou os elementos orbitais desses cometas, inclusive o período orbital. Três desses cometas possuíam elementos orbitais muito semelhantes: os de 1531, 1607 e 1682. Além disso, o período orbital calculado para cada um deles era cerca de 76 anos, que coincidia com o intervalo em que esses 3 foram observados. Desses resultados, Halley concluiu que provavelmente eram o mesmo cometa e previu seu retorno para 1758, que foi confirmado precisamente no aniversário de Newton, em 25/12/1758, observado pelo astrônomo Johann Georg Palitzsch.

 

Desde então, o cometa de Halley tem retornado às regiões interiores do Sistema Solar nas datas previstas, e a precisão nessas previsões tem sido cada vez maior, porém o encontro de 1986 com esse cometa foi frustrante. A NASA previa que teria mv 2.1 e uma cauda 30 a 40 vezes maior do que a Lua cheia, mas o brilho real observado foi cerca de 1/10 disso, nem se formou uma cauda longa espetacular como em 1910.

 

Em 8/12/2023, o Halley chegou à sua maior distância do Sol e só retornará às imediações da Terra no ano 28/7/2061, mas sua aparição será menos favorável do que foi em 1986. Somente em 27/3/2134 é que o Halley voltará a produzir um grande espetáculo, passando mais perto da Terra do que em 1910, alcançando quase 4 vezes o brilho que teve naquela ocasião e o dobro do tamanho aparente.

 

Mas não será necessário esperar tanto tempo para presenciar um dos maiores espetáculos celestes das últimas décadas, porque em 12 de outubro de 2024, dia de Nossa Senhora, dia da Leitura, dia das Crianças, o cometa Tsuchinshan chegará à sua menor distância da Terra, quando seu brilho previsto será maior do que o 99,8% das estrelas visíveis a olho nu e maior inclusive do que foi o brilho do Halley em 1910, e esse evento será visível do Brasil.

 

A data 12 de outubro está relacionada a alguns eventos importantes da Astronomia, da Religião e da Ciência. Foi há exatamente 307 anos, em 12/10/1717, que um grupo de pescadores no Rio Paraíba do Sul encontrou uma imagem de Nossa Senhora. Os desdobramentos desse evento levaram à proclamação de Nossa Senhora como Padroeira do Brasil.

 

O Milagre de Fátima

 

Em 12/10/1917, 200 anos depois do evento no Brasil, ocorreu o que ficou conhecido como “Milagre de Fátima”, um evento presenciado por 30.000 a 100.000 pessoas, de acordo com estimativas da época.

 

A maioria das fontes cita a data de 13/10/1917, mas como Portugal fica no fuso horário de GMT, enquanto o Brasil fica entre GMT-2h e GMT-5h, e como a latitude de Portugal é de quase 40º, significa que em algumas épocas do ano o Sol em Portugal se põe depois de 20:00h e nasce antes de 5:15h, portanto uma diferença de 5h no fuso poderia explicar uma diferença de datas ao pôr-do-Sol ou nascer do Sol. Verifiquei que na localidade do fenômeno a latitude é de 39,6172º e a longitude -8,6521º, e utilizei esses dados para calcular precisamente o horário em que o Sol nasceu e se pôs naquela data, e conferir se o evento ocorreu no dia 12 ou 13.

 

Para obter maior acurácia no cálculo, também considerei a altitude de 354 m, pois a altitude determina até que distância se pode enxergar o horizonte. Considerei a pressão atmosférica típica nessa altitude (0,9587 atm), pois a pressão determina o ângulo de deflexão da luz solar devido à refração atmosférica. A temperatura e a umidade relativa do ar também interferem na refração, por considerei todos esses detalhes.

 

Não encontrei informações sobre a temperatura naquele dia e horário específicos, mas em outubro as temperaturas em Portugal oscilam tipicamente entre 13ºC e 20ºC, e como os relatos são de que havia chovido, atribuí valores de 50% a 100% à umidade relativa do ar. Nessas condições, para um observador situado na localidade especificada acima, em 13/10/1917 pelo calendário e horário de Portugal, nas condições descritas, o Sol (centro do disco solar) nasceu entre 6:45:26,63 h e 6:45:29,18 h (provavelmente 6:45:27,95 h) e se pôs entre 17:55:50,71 h e 17:55:53,26 h (provavelmente 17:55:51.94 h). Portanto a diferença de 12/10/1917 para 13/10/1917 citada em diferentes fontes não poderia ser explicada pelo fuso horário e os horários no dilúculo e ocaso.

 

Também analisei os relatos sobre o Milagre de Fátima, que tem sido um mistério por mais de 100 anos, e descobri o que de fato aconteceu. Pelos critérios tradicionalmente adotados pela Cúria Romana, mais precisamente pela “Congregação para as Causas dos Santos”, em conformidade com as perspectivas dos papas Sisto V, Urbano VIII (amigo de Galileu) e João Paulo II, que desempenharam papéis importantes no estabelecimento de critérios para julgar eventos candidatos a serem classificados como milagres, pode-se dizer que o episódio ocorrido em Fátima foi realmente um milagre, mas não exatamente como tem sido interpretado até agora.

 

Outros eventos marcantes ocorridos em 12 de outubro

 

Em 12/10/1931, foi inaugurado o Cristo Redentor.

 

Quatro anos depois, em 12/10/1935, nasceu o humano com a voz que mais se aproxima da perfeição, Luciano Pavarotti.

 

Em 12/10/1995, foi confirmada a descoberta do primeiro planeta fora do Sistema Solar, orbitando a estrela 51 Pegasi. Sua massa é cerca de 150 vezes a massa da Terra e sua temperatura é cerca de 1300 K. A descoberta foi anunciada em 06/10/1995, por Michel Mayor e Didier Queloz, utilizando espectrometria para medir o efeito Doppler e assim detectar sutis flutuações na velocidade radial da estrela, denunciando a presença de objeto massivo que provocava as perturbações, e a confirmação independente ocorreu 6 dias depois, por Geoffrey Marcy e Paul Butler.

 

Agora, em 12/10/2024, teremos a oportunidade de observar o grande cometa C/2023 A3 Tsuchinshan-ATLAS, que nessa data chegará à sua distância mínima à Terra e também se estima que deve alcançar seu máximo brilho sob o ponto de vista de observadores situados na Terra.

 

Nomenclatura baseada em parâmetros orbitais, órbitas abertas e fechadas

 

O nome “Tsuchinshan” é geralmente homenagem à pessoa que o descobriu e ATLAS é o equipamento utilizado na descoberta. O número “2023” se refere ao ano em que foi descoberto ou redescoberto (quando é periódico). A primeira letra de “C/2023” indica a classe do objeto:


  • “P/” indica “periódico”, aplica-se a um cometa que tenha período orbital calculado em menos de 200 anos ou que tenha mais de 1 passagem periélica confirmada.

  • “C/” indica um cometa com período orbital maior que 200 anos ou com órbita aberta, isto é, que nunca retornará às regiões internas do Sistema Solar.

  • “X/” indica que o número de registros é pequeno, resultando em grande incerteza no cálculo dos valores dos parâmetros orbitais, portanto não se sabe ao certo se é periódico ou não-periódico. São casos limítrofes que podem ser posteriormente corrigidos para “C” ou “P”, quando se aumenta o número de observações e se reduz a incerteza nas medidas.

  • “D/” indica um cometa que foi extinto, seja por desintegração ao se aproximar do Sol, seja por colisão com outro objeto, seja por ter desaparecido sem uma razão conhecida e não retornou na data prevista. Shoemaker Levy-9, por exemplo, colidiu com Júpiter em 1993.

  • “A/” indica que o objeto não é um cometa. Geralmente se aplica a asteroides.

  • “I/” indica que se trata de um objeto interestelar, com excentricidade orbital muito maior do que 1. São conhecidos poucos objetos que se enquadram nesse grupo, como Oumuamua (1I/2017 U1) com excentricidade 1,200366 e o cometa Borisov (2I/2019 Q4) com excentricidade 3,356633.

  • Há também candidatos a “I/”, que costumam ser inicialmente classificados como “C/”. O cometa C/1980 E1 (Bowell), por exemplo, é um forte candidato, com excentricidade 1,053734, e o cometa C/2018 C2 (Lemmon) é um fraco candidato, assim como C/2017 U7 (PanSTARRS), com excentricidades 1,00177 e 1,00148. Há mais de 2400 objetos registrados que em algum momento tiveram sua excentricidade orbital maior do que 1 ou “igual” a 1 dentro dos limites que se podia medir, porém menos de 10 são sérios candidatos a terem órbitas abertas.

 

No caso do cometa C/2018 C2 (Lemmon), embora a excentricidade calculada com base no arco da órbita formado na região mais interna do Sistema Solar tenha sido maior do que 1, quando se leva em consideração os efeitos gravitacionais dos outros planetas pelos quais ele vai passar no futuro, que vão modificar sua órbita, seus parâmetros orbitais para o ano 2200 indicam que ele passará a ter uma excentricidade local em relação ao baricentro do Sistema Solar menor do que 1, mais precisamente 0,99924, portanto ele deve retornar às regiões mais internas do Sistema Solar em cerca de 131.000 anos, em vez de ser um objeto interestelar.

 

Mas essa interpretação ainda não é conclusiva por vários motivos, em primeiro lugar porque depois do ano 2200, 2300, 2400 etc., é possível que a órbita volte a ter excentricidade maior do que 1. Por outro lado, a escolha do ano 2200 para determinação dos elementos orbitais não é uma escolha arbitrária. Esse ano delimita a região a partir da qual os efeitos gravitacionais que o cometa sofre dos planetas se torna muito pequeno, e vai diminuindo até o afélio, por isso é pouco provável que a órbita sofra grandes mudanças depois de 2200.

 

Mas isso se baseia nos objetos conhecidos. Outro fator importante é que há muitos objetos distantes que ainda não foram descobertos e cujos efeitos gravitacionais afetarão ligeiramente a órbita desse cometa, sem que possamos prever o tamanho desse efeito, por não conhecermos a massa e a localização de tais objetos, nem a massa precisa do próprio cometa Lemmon.

 

Por exemplo, até os anos 1940-1950, não se sabia da existência do cinturão de Edgeworth—Kuiper, cuja soma das massas não é desprezível, embora a soma das massas de todos eles seja provavelmente menos de 1/3 da massa de Mercúrio sozinho. Mas essa pode ser uma grosseira subestimativa. É baseada na curva de distribuição das massas de mais de 900 objetos catalogados, conforme podemos ver no gráfico abaixo:

 

 

Alguns cientistas da NASA citam 1/6 da massa de Mercúrio, o que está obviamente incorreto. Considerando estritamente a curva acima, se ela fosse uma representação acurada do número total desses objetos, poderíamos fazer uma estimativa bastante precisa das massas de todos eles somados como sendo cerca de 0,009227 da massa da Terra, que corresponde a 1/6 da massa de Mercúrio. E como as massas vão diminuindo, ao somar as massas dos ainda não descobertos, praticamente não deve alterar o resultado.

 

Entretanto essa curva não represente a forma da distribuição real, mas apenas a distribuição dos TNOs conhecidos, sendo que há maior probabilidade de detectar os mais brilhantes (isto é, os maiores e mais próximos). Mas é razoável supor que se já foram descobertos vários com volume tão pequeno quanto 1.000 km3, provavelmente não há muitos com mais de 1.000.000 km3 a serem descobertos. Por isso podemos inferir que a soma daqueles com menos de 1.000.000 km3 que ainda não foram descobertos não deve mudar sensivelmente a massa total, e não deve haver muitos acima de 1.000.000 km3 que ainda não foram descobertos, portanto também não deve alterar muito a massa total. Por isso se eventualmente ainda forem descobertos tantos objetos grandes quanto os que já são conhecidos, ainda resultará numa massa total menor do que 1/3 da massa de Mercúrio. Essa estimativa leva em consideração a distribuição das massas de todos os objetos conhecidos e usa esses dados para estimar também as massas dos objetos ainda não conhecidos.

 

O problema é que pode haver alguns objetos muito massivos e muito distantes que ainda não foram detectados, bem como pode haver nuvens desconhecidas de objetos e mais massivas do que essa de Kuiper, a da Öort ou o cinturão principal entre Marte e Júpiter.

 

Por isso, na trajetória de um cometa com excentricidade muito próxima de 1, desde as regiões interiores do Sistema Solar até a nuvem de Öort, sua órbita pode sofrer mudanças sensíveis e imprevisíveis, deixando-o com excentricidade maior ou menor do que 1.

 

Por fim, esses cálculos são excessivamente complexos e não existem soluções analíticas para modelar tais órbitas (para 3 corpos já não existem soluções analíticas), por isso são feitas simulações em computador, e essas simulações apresentam erros relativamente grandes, devido à discretização dos intervalos de tempo e de espaço. Em vez de uma trajetória curva, os modelos computacionais usam muitos pequenos segmentos de reta para representar as órbitas, ou muitas curvas polinomiais conectadas (ou senoidais), que não representam a órbita verdadeira, são apenas aproximações úteis.

 

Os formatos dessas órbitas são regidos por sistemas dinâmicos, por isso uma pequenina diferença de 0,0001 para mais ou para menos na excentricidade já pode determinar se o cometa “escapará” para “sempre” ou se retornará para perto do Sol, e ligeiras imperfeições na simulação computacional já podem causar diferenças maiores do que 0,0001.

 

Uma maneira de tentar driblar essas limitações computacionais é repetindo as simulações muitas vezes, com leves mudanças nos parâmetros a cada vez. São realizadas milhares ou até milhões de simulações, de modo que, embora haja erros em todas elas, pode-se ter pelo menos uma ideia geral sobre o tamanho médio dos erros e sobre como os erros se distribuem, assim se pode ter uma boa noção sobre quanto erros estão alterando os resultados e qual é a probabilidade de que o resultado “verdadeiro” esteja dentro de certos limites de incerteza.

 

No caso específico do novo cometa C/2023 A3 Tsuchinshan-ATLAS, ainda não se sabe muito sobre ele, e os parâmetros orbitais ainda são controversos.

 

Em princípio, não é um cometa com período menor que 200 anos, porém ainda não está claro se é um objeto interplanetário. O que se pode afirmar, por enquanto, é que alguns objetos que se aproximam do Sol com órbitas levemente hiperbólicas podem passar a ter órbitas elípticas, enquanto outros que possuíam órbitas elípticas de altíssima excentricidade (acima de 0,9995) podem passar a ter órbitas hiperbólicas.

 

O gráfico abaixo mostra a distribuição de 496 objetos com excentricidade próxima de 1, registrados até 2018, e quanto ganharam ou perderam velocidade orbital após a passagem pela “região planetária” (até 250 unidades astronômicas do baricentro do Sistema Solar): 


 

Tanto objetos com órbita levemente hiperbólica quanto objetos com órbitas elípticas muito excêntricas apresentavam um excesso de velocidade hiperbólica antes da passagem pelo interior do Sistema Solar menor do que 3 km/s, exceto Oumuamua, que é um objeto interestelar e cujo comportamento se mostrou bastante fora das expectativas, por ter acelerado depois da passagem periélica, o que foi interpretado como uma grande anomalia e chegou a levantar suspeitas de que poderia ser uma nave alienígena, o que é uma hipótese bastante sensacionalista, apoiada em evidências muito frágeis e excesso de onirismo.

 

No caso de C/2023 A3 Tsuchinshan-ATLAS, seu excesso é menor do que 3 km/s, o que sugere que não se trata de um objeto interestelar, mesmo que os parâmetros orbitais locais sejam mais aderentes a um arco de hipérbole do que a um arco de elipse.

 

Isso acontece porque, embora o formato do arco na região mais interna de sua órbita possa apresentar características que indiquem excentricidade acima de 1, esse excesso provavelmente é uma anomalia local, mas quando se considera em escala de centenas ou milhares de unidades astronômicas, é provável que a excentricidade “global” da órbita seja menor do que 1, isto é, seja fechada, portanto é provável que ele regresse mais vezes à região interna do Sistema Solar em intervalos de milhares ou milhões de anos.

 

É difícil calcular corretamente esse intervalo porque os cálculos são baseados numa parte muito pequena do perímetro total de sua órbita e num modelo simplificado para órbitas elípticas em torno do Sol, quando na verdade o formato verdadeiro apresenta várias sutis irregularidades, devido às perturbações gravitacionais que ele sofre dos planetas e de outros objetos massivos, além de o próprio Sol sofrer várias perturbações quando se considera períodos muito longos, por isso os cálculos mais acurados consideram o baricentro do Sistema Solar, em vez de considerar o centro do Sol. O problema é que as simulações já são lentas e complexas na versão simplificada, e ficam muito mais complexas e mais lentas se precisar calcular a posição do baricentro do Sistema Solar em cada iteração, com efeitos relativísticos e interações mútuas entre todos os planetas e outros objetos “suficientemente” massivos.

 

Se a excentricidade orbital global for menor do que 1, a órbita será fechada, se for maior ou igual a 1 a órbita é aberta. No caso de Tsuchinshan, com periélio em cerca de 0,391 UA do baricentro do Sistema Solar, se sua excentricidade orbital for 0,9999, então seu período orbital será cerca de [0,391/(1-0,9999)]1,5  244.000 anos. Se for 0,9998, o período já muda para 86.000 anos, ou seja, uma diferença de apenas 0,0001 na excentricidade orbital já produz uma diferença imensa no período orbital, e como é difícil calcular a excentricidade a partir de um arco muito curto de observações, não há como conhecer com boa precisão o período orbital com base nos dados coletados até agora. No caso do Halley, por exemplo, é comparativamente mais fácil porque sua excentricidade orbital não é tão grande, é cerca de 0,967 e o periélio ocorre em cerca de 0,587 UA, de modo que pequenas incertezas na excentricidade acabam tendo impacto muito menor sobre o período orbital, porque 0,968 ou 0,966 ainda continua suficientemente longe de 1 para que não produza grande impacto no período calculado.

 

É por essa razão que se considera cometas com períodos maiores que 200 anos como “não-periódicos”, devido à grande incerteza nesse cálculo. O Cometa de West, observado em 1976, teve seu período orbital calculado em cerca de 2.300.000 anos, e em vários livros dos anos 1980 essa informação foi apresentada com uma precisão irreal, inclusive com declarações do tipo: “esse cometa retornará no ano 2.301.976” (o jornalista somou 2.300.000 com 1976, como se o número 2.300.000 fosse exato).

 

Mesmo que não fosse esse erro no uso inadequado de algarismos significativos, o problema vai além disso, porque a ordem de grandeza estava incorreta. Atualmente estima-se que o período orbital do cometa de West, observado em 1976, é cerca de 500.000 anos. Outro exemplo é o cometa de Kohoutek, observado em 1973, que até os anos 1980 tinha seu período orbital calculado em 75.000 anos, mas hoje estima-se em 11.000.000 de anos.

 

Esses erros imensos nos cálculos dos períodos orbitais se devem justamente à grande sensibilidade do período orbital a pequenas diferenças na excentricidade, porque conforme a excentricidade se aproxima de 1, pequenos novos incrementos na excentricidade representam grandes incrementos no período orbital, até que quando a excentricidade chega a 1, tem-se uma divisão por 0, que nesse contexto é interpretado como uma órbita aberta, com apenas 1 foco, em que o objeto não retorna às proximidades desse foco.

 

Por esses motivos, é difícil saber se o novo cometa Tsuchinshan retornará ou não e, caso retorne, é difícil saber quanto tempo isso levará. Mas sabe-se que, caso retorne, será depois de milhares de anos, pois os elementos orbitais medidos até o momento indicam uma excentricidade claramente maior do que 0,999, possivelmente maior do que 1. Para uma excentricidade 0,999 ele levaria 7.700 anos para retornar.

 

C/2023 A3 Tsuchinshan-ATLAS  de acordo com a NASA

 

De acordo com a NASA, com base em 1681 observações realizadas até o momento, a excentricidade orbital desse cometa foi calculada em 1,000170339419539, que indicaria uma órbita hiperbólica, por ser maior do que 1. Nesse caso, se os parâmetros fossem mantidos mesmo depois de sofrer as perturbações gravitacionais dos outros planetas ao passar pelas proximidades deles, o cometa teria órbita aberta, isto é, não passaria novamente pelas imediações do Sol, exceto se alguma estrela ou outro objeto desviasse novamente sua órbita tornando sua excentricidade menor do que 1 em relação ao baricentro do Sistema Solar. Quando esse cometa passar por sua distância mínima ao Sol (periélio), em 27/09/2024, às 16h34m16,9s, a previsão da NASA é que ele chegue a cerca de 58.538.408,3 km do Sol, quase mesma distância de Mercúrio (57.909.175,7 km).

 

De acordo com MPC

 

De acordo com o MPC (Minor Planet Center, ligado à universidade de Harvard), com base em 2210 observações, a excentricidade orbital foi calculada em 1,0001504. A previsão do MPC sobre a passagem pelo periélio é para 27/09/2024, às 17h23m39,3s, quando deve chegar a cerca de 58.560.131,4 km do Sol.

 

De acordo com TheSky

 

De acordo com TheSky, os parâmetros são bastante diferentes dos indicados pela NASA e MPC. Em vez de uma órbita hiperbólica, isto é, aberta, ele tem uma órbita elíptica, com excentricidade 0,99979084. Embora seja numericamente uma diferença pequena, menor que 0,04%, é uma diferença importante porque indica uma órbita fechada, isto é, ele retornará novamente depois de 80.660 anos, enquanto os elementos orbitais calculados pela NASA e pelo MPC indicam que ele não retornará. A passagem periélica prevista em TheSky é para 28 de setembro, às 11:34:04, à distância de 58.411.595,6 km.

 

De acordo com COBS

 

De acordo com COBS, a excentricidade orbital é 1,000120, semelhante à calculada pelo MPC e pela NASA, porém com base numa amostra menor, de apenas 170 observações. Portanto também indica uma órbita aberta, e a distância periélica está prevista para ocorrer a 58.562.480,1 km, no dia 27/09 às 17:53:13. Sempre lembrando que esses dados, como os anteriores, são baseados nas observações antes da passagem periélica, portanto o formato do arco da órbita nessa região não é necessariamente preservado depois da passagem periélica, nem depois que o cometa se afasta da “região planetária”.

 

Essa dificuldade para determinar se a órbita é fechada ou não se deve à alta similaridade entre o formato de uma elipse com excentricidade quase 1 e uma hipérbole com excentricidade um pouco maior do que 1, quando se considera regiões próximas ao foco. Para melhorar a precisão nessas medidas a ponto de determinar se a órbita é aberta ou fechada, será necessário realizar mais medições ao longo da trajetória, e então verificar qual curva se ajusta melhor aos dados.

 

No vídeo https://youtu.be/Q80PtvhJfM4 pode-se encontrar mais detalhes sobre como se calcula a órbita de um objeto com base num conjunto de observações e no volume 1 do Guia dos apodícticos há uma comparação entre o formato de uma parábola e o de uma elipse com alta excentricidade (uma parábola é o caso limite de uma hipérbole com excentricidade exatamente 1). Veja também nossos vídeos nos quais fazemos uma comparação entre um arco de parábola e uma catenária, que visualmente podem ser quase iguais, assim como elipses com excentricidade muito alta (perto de 1) possuem a região próxima ao foco muito semelhantes à curva produzida por um arco de parábola (ou hipérbole com ε1).

 

Como conseguimos prever o brilho do cometa?

 

Uma pergunta que precisa ser feita é: se esse cometa nunca foi observado antes, como podemos prever qual será seu brilho máximo e quando ocorrerá esse brilho máximo?

 

Quando se trata de um objeto que preserva sua estrutura praticamente inalterada, como asteroide ou planeta, o cálculo é simples e preciso. Quando se trata de um objeto com brilho aproximadamente constante, como uma estrela, o cálculo é mais fácil ainda. No caso do Sol, se ele se afasta 1%, seu brilho diminui na mesma proporção, porque o Sol é sua própria fonte de luz. No caso de um planeta é diferente, porque depende da distância dele à fonte de luz e da distância dele ao observador. Além disso, dependendo do ângulo formato entre o planeta, o observador e a fonte de luz. Esse detalhe é importante porque o observador não verá a face do planeta 100% iluminada, em alguns casos, nem 10% ou nem mesmo 1%. A seguir, fotos que tirei de Marte e Vênus, em configurações nas quais nenhum deles estava 100% iluminado: 



A mancha escura na parte superior é a sombra projetada pelo Monte Olimpo, maior montanha (e maior vulcão) do Sistema Solar, com 26 km de altitude, quase 3 vezes a altura do Monte Everest. A mancha branca embaixo é a parte que restou da calota polar Sul, que desde junho de 2020 começou a sublimar com a aproximação de Marte de seu periélio e também com o Verão no hemisfério Sul. As calotas não derretem porque a pressão atmosférica em Marte é muito pequena, cerca de 0,006 da pressão na Terra ao nível do mar, e porque a constituição principal dessas calotas é CO₂ (gelo seco), que até mesmo na Terra costuma sublimar em vez de derreter. 


 

Esse fenômeno é mais amplamente conhecido sobre a Lua, mas ocorre em todos os objetos iluminados. Para planetas com órbitas internas à da Terra, formam-se todas as fases, desde “nova” (0% iluminado) até “cheia” (100% iluminado), enquanto planetas com órbitas externas à da Terra nunca chegam a formar fases com menos de 50% iluminada. Essas restrições nas possíveis configurações tiveram um papel importante na comparação dos modelos cosmológicos ao longo dos séculos.

 

Há ainda mais detalhes a serem considerados, porque o Sol não serve apenas como fonte primária de luz. Ele também pode atuar como fonte secundária, quando sua luz é refletida de um objeto no outro. A Lua nova, por exemplo, não é totalmente escura. Na verdade, a Lua Nova é mais brilhante do que quase todos os planetas, inclusive Marte e Júpiter quando estão na oposição periélica, e muito mais brilhante do que qualquer das estrelas mais brilhantes do céu terrestre. A Lua Nova tem mv -3,16, enquanto Júpiter e Marte alcançam no máximo -2,9. Isso acontece porque na Lua Nova, embora a face lunar voltada para a Terra não receba luz direta do Sol, ela recebe a luz solar que é refletida na Terra de volta à Lua. É difícil notar esse efeito devido à dificuldade para localizar a Lua na fase nova e pelo fato de ficar angularmente muito perto do Sol, por isso a região vizinha do céu fica muito clara, com pouco contraste. Vênus, por exemplo, pode ser observado durante o dia, até cerca de 1h ou 2h após o Sol nascer, mas conforme o céu vai ficando mais claro, ele deixa de ser visível a olho nu, embora ainda possa ser acompanhado durante todo o dia com telescópio, porque o telescópio aumenta o contraste. No caso da Lua, pouco antes ou pouco depois da Lua Nova, enquanto há uma pequena parte iluminada, pode-se localizá-la mais facilmente, e como ela ainda não está tão perto do Sol, pode-se enxergar a parte “escura” fracamente iluminada, o que é conhecido como “luz cinérea”. Além desse fenômeno relacionado à reflexão, há outros. No caso de Vênus, em sua fase equivalente à “Nova”, também não fica totalmente escuro mesmo, mas não porque receba luz suficiente da Terra ou de outro objeto, e sim porque sua atmosfera é muito densa e permanece densa até algumas centenas de quilômetros de altitude, de modo que se pode observar os raios solares que chegam na outra face de Vênus, atravessam e/ou são refratados por sua atmosfera, formando um anel brilhante em volta do disco escuro, como aconteceu em 03/06/2020. A sequência de fotos abaixo mostra esse fenômeno, registrado por Nicolas Lefaudeux, que fez uma excelente sequência de fotos durante a aproximação, até a conjunção inferior. As imagens abaixo mostram as posições verdadeiras relativas (círculos magentas), o Sol está representado no tamanho aparente verdadeiro em relação às distâncias aparentes. 


 

A distância aparente de Vênus ao Sol em 3/6/2020 era de apenas 36’ de arco, ou seja, apenas um pouco mais do que o diâmetro aparente do próprio Sol. Os tamanhos de Vênus nas fotos obviamente não estão em escala, mas as regiões iluminadas estão orientadas de acordo com a posição relativa do Sol, lembrando que nessa imagem em 2D o Sol parece estar à direita, mas na verdade ele está muito “ao fundo” (42 milhões de quilômetros) e só um pouco à direita (1,5 milhões de quilômetros).

 

Objetos sem atmosfera, ou com atmosfera muito rarefeitas, não produzem efeitos perceptíveis equivalentes, mas ainda há outros detalhes que se aplicam a todos os objetos, porque embora as superfícies dos astros geralmente tenham distribuição isotrópica dos albedos, nem sempre é assim. No caso da Lua, nem toda a superfície reflete mesma porcentagem de luz. Isso também é fácil de perceber em Marte, há regiões mais escuras e mais claras em diferentes níveis, isto é, que refletem mais luz ou menos luz. Mas geralmente a distribuição dessas regiões é aproximadamente homogênea e isotrópica. Essa foto que tirei da Lua em 2020 mostra essa distribuição na face que fica voltada para a Terra.

 


 

Mas há uma diferença importante entre Marte e a Lua nesse quesito: a distribuição de albedo em Marte é aproximadamente isotrópica em toda a superfície, mas na Lua há uma diferença estatisticamente significativa entre a face voltada para a Terra e a outra.

 

O período de rotação sideral da Lua é sincronizado com o de revolução sideral, devido aos efeitos de maré, por isso não vemos quase nada de sua outra face (vemos cerca de 9% devido à libração), mas sua outra face é muito mais brilhante, porque tem menos regiões escuras. As fotos abaixo mostram uma comparação entre a face que fica voltada para a Terra e a outra:

 

 

Quase não há regiões escuras na outra, porque ela fica menos protegida de colisões. Na face voltada para a Terra, temos praticamente só uma grande colisão recente, ocorrida há cerca de 108 milhões de anos, que produziu a cratera raiada Tycho, mas na face oposta praticamente toda a superfície está coberta de crateras comparativamente mais recentes, que renovaram praticamente todas as áreas basálticas (escuras).

 

Há outros objetos no Sistema Solar que também apresentam essa característica, como o satélite Jápeto, de Saturno, que tem uma face com albedo 0,6 e outra com albedo 0,03. Isso levou a muitas especulações, inclusive foi tema do livro “2001, Uma odisseia no espaço” (no filme, o tema foi o satélite Europa, de Júpiter). As duas fotos do satélite Jápeto apresentadas abaixo foram tiradas pela sonda Cassini:


 

Devido a essa propriedade, a face com maior albedo é cerca de 19 vezes mais brilhante, por isso quando Jean Domenico Cassini descobriu Jápeto em 1671, e fez vários registros dele enquanto Jápeto estava num dos lados de Saturno, enquanto ele prosseguia em sua orbita ao planeta e “reapareceu” do outro lado, Cassini não conseguiu mais observá-lo. Havia sumido, pois o brilho era muito tênue, estando no limiar da capacidade óptica de seu telescópio.

 

Depois que Jápeto reapareceu do lado inicial e Cassini repetiu mais alguns registros, sendo que sempre era visível de um lado, mas não do outro, Cassini deduziu que uma das faces tinha albedo muito menor e que o período de rotação de Jápeto era síncrono com o de translação. Se o período não fosse síncrono, algumas vezes ele seria visível de um lado, outras vezes seria visível do outro lado.

 

Foi a primeira vez que se mediu o período de rotação de um objeto astronômico sem enxergar detalhes em sua superfície. Até então, já se sabia os períodos de rotação de Marte e Júpiter, porque era possível resolver detalhes na imagem que permitiam monitorar o movimento de rotação a partir desses detalhes. Também era possível estimar o período de rotação de Saturno, embora não houvesse detalhes visíveis, porque seu achatamento polar presumivelmente era provocado pela pseudoforça centrífuga. Mas no caso de Jápeto, o que se podia enxergar era apenas um pingo de luz, sem qualquer detalhe, mesmo assim foi possível calcular sua rotação. Séculos depois, o mesmo método foi usado para calcular o período de rotação de Plutão, de asteroides e de outros objetos.

 

Em alguns casos, a variação no brilho não se deve propriamente à diferença de albedo, mas à forma alongada do objeto, que fica mais brilhante quanto seu eixo mais longo fica perpendicular ao eixo óptico, devido à maior superfície visível.

 

Há vários outros fatores que podem interferir no brilho, inclusive trânsitos de sombra de satélites, nos casos de estrelas podem ter variações físicas na luminosidade, mas geralmente essas variações são pequenas. Os fatores citados nos parágrafos acima são os que produzem diferenças mais substanciais.

 

Nos casos de cometas, além de todos esses fatores, somam-se as grandes oscilações na nuvem de partículas que se forma em torno deles, e essa nuvem pode apresentar grandes variações, além de não serem variações periódicas nem facilmente modeláveis. No caso de Jápeto, depois de saber seu período de rotação e as propriedades de suas faces, é fácil calcular seu brilho em qualquer momento. No caso da Lua, de Marte, Vênus e Mercúrio, conhecendo o ângulo formato entre eles e o Sol, as distâncias e as propriedades da superfície, por isso também é fácil calcular o brilho em qualquer momento. Mas nos casos de cometas é diferente, porque não há como saber quanto de material vai ejetar em cada momento, qual será a densidade da nuvem formada, o albedo médio das partículas, se haverá alguma erupção incomum etc.

 

Até mesmo o cometa mais bem estudado da história, o cometa de Halley, geralmente tem seu brilho previsto com erro relativamente grande. Em 1986, a NASA previa que o Halley alcançaria um brilho máximo de mv 2,1 em 11/04/1986, entretanto quando eu o observei nessa data, estava com brilho perto de 4,5. Embora eu fosse adolescente, quando conversei com astrônomos do observatório do Capricórnio, em 1986, as estimativas que eles fizeram também foram entre 4 e 4,5, cerca de 1/10 do brilho previsto pela NASA.

 

Portanto, se até mesmo para um cometa muito bem conhecido, registrado desde 2647 a.C. e detalhadamente monitorado desde 1531 d.C., não se consegue prever com precisão qual será seu brilho, como é possível calcular o brilho de um cometa inédito? 

Antes de prosseguir, um pequeno adendo: a maioria das fontes aponta para o ano 467 a.C. como contendo os registros mais antigos sobre o Halley, inclusive todos os idiomas na Wikipedia e praticamente todos os sites, livros e artigos repetem essa informação. Mas no livro “Cometas, os vagabundos do espaço”, de 1982, consta um dos estudos mais completos e detalhados sobre o Halley, realizado em 1980 por Donald K. Yeomans, um meticuloso trabalho “arqueológico” e matemático no qual associa as posições previstas (baseadas nos elementos orbitais e nas perturbações gravitacionais) com os registros históricos, e conseguiu reconstruir as passagens do Halley desde setembro de 1404 a.C. Posteriormente, em 1982, Joseph Brady reconstruiu o histórico do Halley desde 18 de abril de 2647 a.C. e associou as respectivas datas com relatos históricos de cometas registrados.

 

A resposta é que existem modelos estatísticos para isso. Em primeiro lugar, é importante compreender a raiz dessa dificuldade, pois a posição e as datas onde estará são previstas com boa precisão, porém o brilho é outra história.

 

As equações que determinam a variação no brilho em função da distância ao Sol e à Terra são diferentes de um cometa para outro, porque cometas não são estruturalmente tão estáveis quanto planetas, satélites e asteroides.

 

Os cometas são compostos de materiais voláteis, que sublimam quando se aproximam do Sol, produzindo gigantescas nuvens em volta e “atrás” deles. O cometa de Halley, por exemplo, tem um núcleo sólido medindo apenas 8 x 8 x 15 km, mas quando ele se aproxima do Sol, os materiais que se desprendem de sua superfície formam uma cabeleira que chega a medir mais de 300.000 km, e sua cauda pode chegar a mais de 100.000.000 km. A imagem abaixo mostra uma representação artística do Halley em 1910, com sua cauda tão extensa que atravessa várias constelações.

 

 

Por outro lado, essas estruturas volatizadas são muito tênues, refletem muito menos luz por unidade de área do que o núcleo sólido, e a quantidade de luz refletida depende do albedo médio dessas partículas, depende da concentração de partículas por unidade de volume, depende do tamanho e da forma das partículas.

 

Embora não possamos saber com segurança as características dessas partículas, podemos estudar as curvas típicas de brilho de uma grande variedade de cometas e, assim, inferir o comportamento “médio” e criar modelos matemáticos para prever o brilho de cometas ainda não conhecidos. São previsões sujeitas a erros relativamente grandes, mas ter um modelo capaz de fazer previsões com chances razoáveis de acerto é melhor do que não ter modelo nenhum.

 

Um dos motivos pelos quais esses modelos podem falhar é porque um cometa pode sofrer uma grande fratura, ou até mesmo se desintegrar, produzindo um brilho muito maior do que o normal. Ou pode ocorrer de quase esgotar o material mais volátil e só restar material rochoso e metálico, que não contribui para a formação de cabeleira nem cauda, e nesse caso o brilho acaba sendo muito menor, pois dependerá praticamente só da luz refletida pelo número sólido, que é muito pequeno.

 

Cometas que se desintegram

 

Se o cometa se desintegrar ao passar muito perto do Sol, ele pode ser completamente consumido, e justamente por estar muito perto do Sol, pode ser difícil de observar esse evento, que acaba sendo ofuscado pelo Sol. Em tal hipótese, há o risco de ser um grande fiasco, em vez de um grande espetáculo. Isso já ocorreu recentemente, com previsões muito otimistas sobre o cometa C/2019 Y4 (ATLAS), que as mídias fizeram grande alarde, mas acabou nem sequer sendo visível.

 

No caso de Tsuchinshan, porém, há algumas diferenças importantes. Distâncias periélicas de 50.000.000 km ou maiores são razoavelmente “seguras”. Os cometas que se desintegram, geralmente é porque chegam muito mais perto do Sol. Isso ocorreu com o cometa C/2019 Y4 (ATLAS), que ao passar a 37.800.000 km do Sol, sua estrutura se desfez com o aumento na temperatura, entre outros fatores. As imagens abaixo mostram os registros desse momento pelo telescópio espacial Hubble:


 

Uma exceção incomum foi o cometa de Biela, que em 1852 se desintegrou a mais de 128.000.000 de km do Sol, mas geralmente, a distâncias tão grandes, a temperatura é bem “tolerada”. E nos casos que são desintegrados, por estarem mais distantes do Sol acaba sendo possível observá-los e o processo de fragmentação costuma ser um espetáculo ainda maior. No caso de Biela, acabou formando 2 cometas principais, em vez de 1, e vários fragmentos menores que posteriormente produziram extraordinárias chuvas de meteoros.

 

Não há uma distância limite precisa para desintegração, mas na região de Mercúrio um fluxo energético do Sol aquece um corpo negro até cerca de 630 K, sendo que entre os metais mais comuns e rochas, a maioria tem ponto de fusão acima disso. Só praticamente o estanho seria derretido a essa temperatura. A temperaturas um pouco maiores, o chumbo e o zinco também seriam derretidos. Mas grande parte dos metais mais comuns têm ponto de fusão acima de 700 K, assim como a maioria das rochas. Por isso é que não existem planetas muito mais próximos do Sol do que Mercúrio, porque derreteriam e se fragmentariam, além de outros fatores, como efeitos de maré. Também é por isso que até a distância aproximada de Mercúrio ainda é “seguro” para um cometa passar, sem que sua estrutura derreta, ou evapore ou sublime. Desse modo, só os componentes das camadas mais superficiais, como H₂O, CO, CN etc. é que são volatizados, enquanto a parte mais firme, composta por metais e rochas, resiste às temperaturas.

 

Claro que isso também depende das proporções de componentes, porque quando um cometa é constituído por 95% de CO₂ congelado, por exemplo e 5% de material rochoso espalhado sem formar uma solução homogênea que conecte as partes rochosas entre si, então haverá descontinuidades na estrutura sólida quando o CO₂ sublimar e a estrutura pode se romper, mesmo a grandes distâncias do Sol.

 

Por esses motivos, é difícil equacionar a evolução do brilho em função da distância da Terra e ao Sol, porque a estrutura dos cometas varia ao longo do tempo, não é uma variação uniforme e nem sempre segue uma curva suave, e mesmo quando segue uma curva suave, os parâmetros da curva não costumam ser estáveis nem são os mesmos em todos os cometas.

 

Os gráficos abaixo mostram como foi a flutuação medida empiricamente no brilho do Halley em 1985-1986 e no cometa HaleBopp de 1995:



São curvas bastante diferentes, em parte devido à variação das distâncias cometa—Terra e cometa—Sol, já que a quantidade de luz recebida e refletida depende da distância que ele se encontra ao Sol, e o brilho aparente depende da distância dele à Terra, além dos outros fatores já enumerados.

 

Mesmo quando se ajusta esses parâmetros de modo a neutralizá-los e medir a luminosidade absoluta, ainda assim não se um padrão de curva que seja igual para todos, devido às peculiaridades já comentadas.

 

No caso do cometa de 12/10/2024, a curva de brilho foi calculada com base num dos modelos mais usuais para cometas que passam pelas proximidades do Sol pela primeira vez. O resultado é o gráfico a seguir:


 

Os pontos pretos representam as poucas observações empíricas reunidas até agora. Nesse momento, o cometa ainda está a 621.000.000 km do Sol e 674.000.000 de km da Terra, recém cruzou a órbita de Júpiter e ainda não chegou á região mais densa do cinturão de asteroides. Mesmo assim já está com mv 13,7, que é (relativamente) muito brilhante para um objeto tão distante e tão pequeno. A imagem abaixo mostra a posição atual do cometa e as respectivas posições dos planetas do Sistema Solar interior:


 

Mas afinal, o que significa essa curva de brilho e como observá-lo?

 

Curva de brilho e conceito de “magnitude”

 

Em Astronomia, o brilho dos objetos geralmente é medido em magnitudes, um método criado pelos gregos, especialmente utilizado por Hiparco, que classificou as estrelas mais brilhantes como sendo de “primeira grandeza” e as menos brilhantes como de “sexta grandeza”. Esse método foi formalizado numa escala logarítmica por Robert Pogson, em 1856, quando ele constatou que, em média, as estrelas registradas como tendo magnitude 1 (primeira grandeza) eram cerca de 100 vezes mais brilhantes do que as estrelas de magnitude 6 (sexta grandeza).

 

Desse modo, uma diferença de 2,5 magnitudes corresponde a uma proporção de brilho de 10:1, uma diferença de 5 magnitudes corresponde a uma proporção de 100:1, uma diferença de 7,5 magnitudes corresponde à uma diferença de 1000:1 e assim por diante.

 

Por exemplo: um objeto de magnitude 0 é 1.000.000 de vezes mais brilhante do que um objeto de magnitude 15, porque a diferença entre 15 e 0 é 15, e como a cada 2,5 magnitudes se tem uma proporção de 10:1, então com 15 magnitudes se tem uma proporção de:


Analogamente, uma diferença de magnitude 1,25 corresponde a uma proporção de brilho de  = 10^0,5 3,16. Uma diferença de 1 magnitude corresponde a uma proporção de brilho de  ou  10^0,4 2,51 e assim por diante.

 

Habitualmente abrevia-se para “mv” quando se trata de magnitude aparente (brilho sob o ponto de vista do observador a uma certa distância) e “Mv” quando se trata da magnitude absoluta (luminosidade intrínseca da luz total emitida pelo objeto dentro da faixa visível). Há também mbol e Mbol, que significa “magnitude bolométrica”, indicando a luz em todos os comprimentos de onda.

 

Quanto menor o número da magnitude, maior é o brilho. Isso porque a escala original usada por Hiparco havia sido idealizada como uma escala ordinal com 1ª grandeza, 2ª grandeza etc.

 

A estrela mais brilhante do céu terrestre atual, Sírius, tem mv -1,46, isto é, mv negativa, por ser mais brilhante do que mv 0. A mv dos planetas é variável, de acordo com a quantidade de luz que recebem do Sol, de acordo com a distância até a Terra, de acordo com a porcentagem da face iluminada sob o ponto de vista de um observador situado na Terra, de acordo com a distribuição de albedos na face iluminada, etc.

 

As estrelas mais tênues visíveis a olho nu numa pequena cidade do interior têm mv 6,3. Algumas pessoas conseguem enxergar até mv 7 ou mesmo 7,5, outras não conseguem enxergar além de mv 4 ou 4,5. As condições do céu também influenciam muito. No deserto do Atacama, uma pessoa com visão normal pode enxergar até mv 7, enquanto numa metrópole essa mesma pessoa não consegue ir além de mv 3,5 ou 4.

 

O brilho aparente também depende da altitude da pessoa, da altitude angular do objeto em relação ao horizonte e da área sobre a qual o brilho se distribui. No topo de uma montanha, há menos camadas atmosféricas obstruindo a luz do que ao nível do mar. Quando um objeto está próximo ao horizonte, há mais camadas atmosféricas obstruindo a luz do que quando o mesmo objeto está próximo ao zênite. E quando a luz do objeto inteiro está concentrada num ponto (ou numa região muito pequena), o contraste com o fundo é maior do que quando a mesma quantidade de luz está espalhada por uma grande superfície.

 

O objeto mais brilhante do nosso céu é o Sol, com mv -26,742 (no espectro visível), mas quando o Sol está perto do horizonte, seu brilho fica muito melhor. Como a órbita da Terra é aproximadamente elíptica, variando cerca de 1,67% para mais e para menos, essa variação também faz com que a luz do Sol pareça um pouco menor ou maior, de acordo com o quadrado da distância. Por isso a mv do Sol chega a -26,778 e -26,706. Se incluir todos os comprimentos de onda, não só a luz visível, a mv do Sol é -26,832 de acordo com decisão da IAU de 2015, ou -26,837 com base nos dados empíricos. Além disso, o próprio Sol, assim como todas as estrelas, sofre pequenas flutuações no brilho. Algumas estrelas oscilam muito, chegando a ficar milhares ou milhões de vezes mais brilhantes, depois retornam ao mínimo. Essas variações podem seguir ciclos regulares, como cefeídas, ou podem ser irregulares. No caso do Sol, as oscilações são bem pequenas e não se conhece ainda bem as propriedades dos possíveis ciclos.

 

O segundo objeto regularmente presente mais brilhante do nosso céu depois do Sol é a Lua, com mv -12,74 (podendo chegar a quase -13 quando está no perigeu e no periélio), mas eventualmente podem ocorrer meteoros mais brilhantes do que a Lua, ou outros fenômenos temporários. Alguns satélites, quando vistos de ângulos muito específicos (Iridium flares) podem chegar a mv -9. Vênus, nas posições mais favoráveis, pode chegar a mv -4,5.

 

O Sol, portanto é cerca de 400.000 vezes mais brilhante do que a Lua cheia, já que . Em comparação a Sírius, o Sol é 12.970.000.000 vezes mais brilhante, mas obviamente isso se deve ao fato de o Sol estar muito mais próximo. Se ambas as estrelas fossem colocadas à mesma distância, então Sírius é que seria 22,8 vezes mais brilhante.

 

Esses números proporcionam uma ideia aproximada sobre o brilho típico de diferentes objetos brilhantes, mas geralmente os cometas precisam ser comparados com objetos de pouco brilho. Além disso, o brilho de uma estrela fica concentrado numa região tão pequena que o olho não é capaz de resolver, parecendo um ponto, enquanto um cometa tem seu brilho espalhado ao longo de uma vasta superfície que pode ser maior do que o tamanho aparente da Lua, o que torna o contraste com o fundo menor e consequentemente fica mais difícil de observar do que um objeto com mesmo brilho concentrado uma área menor. Esse efeito pode ser facilmente notado quando se observa Vênus e a Lua, por exemplo. A Lua é muito mais brilhante, porém Vênus tem maior brilho por unidade de área.

 

Nos casos de cometas, sua aparência pode ser comparada à de nebulosas, galáxias e aglomerados, inclusive o astrônomo Charles Messier, no final do século XVIII, fez um catálogo desse tipo de objetos, registrando suas posições, justamente para facilitar a descoberta de cometas, evitando que um desses objetos fosse confundido com um cometa.

 

Com as atuais técnicas fotográficas, esse tipo de confusão seria improvável porque a maioria dos cometas têm acentuados traços de cianogênio em sua constituição, o que lhes confere uma cor esverdeada-azulada (quase ciano), enquanto as galáxias, aglomerados e nebulosas raramente são de cor parecida, exceto, com poucas exceções, como a nebulosa do olho. A seguir, duas fotos que tirei de dois cometas com cabeleiras de cianogênio, e depois uma foto que tirei em 2020 da Nebulosa do Olho: 




 

A cor é muito semelhante à dos dois cometas acima, mas o aspecto geral, embora também seja nebuloso, não é difícil evitar confundi-la com cometas típicos, como os das fotos acima. Alguns cometas peculiares podem ter formatos com camadas duplas de cabeleira, o que dificulta um pouco a distinção, mas quando isso acontece, geralmente as duas comas se devem a uma fratura que produz dois nucleos, de modo que as comas não são homocêntricas.

 

O ponto central é que podemos notar que nas fotos acima, embora sejam dois cometas diferentes, são bastante semelhantes entre si na coloração, no aspecto nebular com gradiente suave, na presença de uma pequena cauda, enquanto a nebulosa tem delimitações mais bem definidas e não possui cauda. Além disso, em poucos minutos ou poucas horas de exposição, acompanhando o movimento do cometa (mantendo o cometa centralizado no campo da câmera), as estrelas presentes no campo deixam rastros, já que o cometa está se movendo entre elas a uma velocidade detectável em poucos minutos, enquanto uma nebulosa ou qualquer outro objeto muito distante não apresenta movimento perceptível em poucos minutos, horas ou dias (exceto supernovas, que não mudam de posição, mas mudam de brilho).

 

Embora não seja tão difícil distinguir entre a Nebulosa do Olho de um cometa típico, ela é mais parecida com cometas do que a média dos outros objetos de aspecto nebular, como os exemplos de nebulosas a seguir, que fotografei em 2020 e 2021. O primeiro objeto é a galáxia de formato irregular Centaurus A, situada a 13.000.000 anos-luz. O segundo objeto é a nebulosa Eta Carinae, situada a 7.500 anos-luz e, por fim, a grande nebulosa de Orion, a 1.350 anos-luz:

 




Existem cometas multicoloridos e com formatos incomuns, mas mesmo estes acabam sendo fáceis de distinguir das outras estruturas nebulares. Por exemplo, o McNaught de 2006, que foi magnificamente registrado pelo amigo Guilherme Marques dos Santos Silva e sua foto foi publicada em vários sites, inclusive na prestigiosa revista Sky & Telescope, porém a foto não está mais disponível (está cortada) em https://skyandtelescope.org/online-gallery/mcnaught-at-caina/ e foi removida dos sites da REA https://rea-brasil.org/cometas/06p1d.htm e do site do próprio Guilherme www.gui.pro.br, mas a imagem é basicamente essa:

 

 

A estrutura da cauda, embora diferente do formato habitual, pode ser facilmente reconhecida, bem como a morfologia geral. Além disso, o tamanho aparente é muito maior do que de outros objetos nebulares (exceto a Via-Láctea).

 

Devido a essa diferença de tamanho, o registro precisa ser feito com equipamento diferente, que capture um grande campo com pequena ampliação, geralmente uma lente 14 mm a 50 mm, enquanto os outros objetos nebulares exigem mais ampliação, geralmente com distância focal a partir de 400 mm.

 

É diferente dos cometas menores e menos brilhantes, como os exemplos que registrei acima, que também precisam de ampliação razoável. Naqueles dois casos, foi usada distância focal 2540 mm.

 

No caso do cometa de 12/10/2024, terá mv prevista para cerca de -1, quase tão brilhante quanto Sírius, que é a estrela mais brilhante do céu terrestre. As projeções mais otimistas consideram a possibilidade de o cometa ultrapassar -4, se houver alguma explosão ou fratura ou algum evento especial. Nesse caso, pode ser tão brilhante quanto Vênus e 10 vezes mais brilhante do que Sírius.

 

Para onde olhar?

 

Para localizar o cometa no céu é bem fácil. Vou descrever como será de minha localidade, cera 23º de latitude Sul e 46º de longitude Oeste. A partir de meados de setembro ele começará a ser visível a olho nu perto do horizonte Leste pouco antes do nascer do Sol, e a cada dia aparecerá mais cedo, mais alto e mais brilhante, até 01/10/2024, então começará a descer até deixar de ser visível nessa região, e passará a ser visível no Oeste, pouco depois do pôr-do-Sol. Em 12/10/2024 estará visível a Oeste, inicialmente muito baixo, mas nos dias seguintes começará a aparecer mais alto, porém a cada dia menos brilhante (exceto se houver alguma anomalia). Os melhores dias para observação serão 12 a 16 de outubro, com previsão de que o máximo brilho será em 12/10. Alguns modelos indicam que o máximo brilho pode ocorrer em 9/10, mas em todos os casos a data exata depende muito mais flutuações incomuns do que do modelo padrão.

 

Em relação à cauda e cabeleira, ainda é cedo para prever, mas o que tem sido observado até agora dá motivos para bastante otimismo. No caso do Halley, já teve cauda com mais de 60º, em 1910, isto é, o comprimento aparente de 120 Luas cheias enfileiradas. Até mesmo na aparição de 1986, que foi bastante modesta, o Halley chegou a ter uma cauda com 15o, em fevereiro. Nesse caso, talvez chegue a algumas dezenas de Luas cheias enfileiradas.

 

O mapa abaixo auxilia na localização: às 5:50h do dia 15/09/2024 o cometa estará aproximadamente na mesma posição aparente que o Sol estava 7:00h do dia anterior, a cerca de 13,6º acima do horizonte Leste. Nos dias subsequentes, até 01/10/2024, o cometa aparecerá a cada dia um pouco mais alto. Depois de 01/10/2024, a cada dia um pouco mais baixo. Nessa ocasião, o cometa ainda estará a 208.000.000 km da Terra, por isso o brilho ainda não será tão grande, mas nos próximos dias chegará a 1/3 dessa distância.

 

 

Em 12/10/2024, estará do outro lado, a Oeste, pouco depois do Sol se por. A imagem abaixo mostra qual será a posição em 12/10/2024 às 18:00, quando chegará à sua distância mínima da Terra de 70.676.000 km. Nos dias seguintes, aparecerá cada vez mais alto.


 

Com essas informações, fica relativamente fácil localizar e acompanhar. Quem tiver interesse em baixar algum software, duas boas opções são o Stellarium, para PC, e o SkySafari para celular. Outras opções interessantes para PC são o Cartes du Ciel, que em 2001 era talvez o melhor. Celestia tinha algumas funcionalidades interessantes para observar sob o ponto de vista de outros objetos, mas é um pouco inacurado por tratar estruturas elipsoidais como esféricas. Starry Night foi o melhor programa comercial até cerca de 2008, quando deixou de receber aprimoramentos. Atualmente é possível que o melhor para essas finalidades seja o Stellarium.


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