Hoje o amigo Renato Pires dos Santos postou uma foto com a legenda “orgulho de ser físico”.
Quando vi a foto, fiquei pensando sobre isso. Conheci o Renato por volta de 2000. Na época, ele já havia concluído seu mestrado e seu doutorado no IFT, sobre sistemas quirais supersimétricos, e já havia feito dois pós-doutorados em Inteligência Artificial, um na Alemanha e outro na Áustria, ele era editor da revista Malba Tahan, cujo nome é uma homenagem ao polímata brasileiro Júlio César de Mello e Souza, autor do livro “O homem que calculava”, ele mantinha o site “Física Interessante”, entre outras atividades. Dez anos antes de Pirula e outros divulgadores da Ciência começarem, o Renato já contava com mais de 15.000 assinantes em sua revista, numa época em que a Internet ainda contava com poucos usuários e os celulares serviam exclusivamente para ligações telefônicas. Em 2000, só 2,9% da população brasileira usava Internet. Em 2016, cerca de 61% dos brasileiros já estavam conectados. Portanto, se a proporção fosse mantida, esses 15.000 assinantes seriam equivalentes a mais de 300.000 atualmente, número bastante expressivo para um país no qual não se tem a cultura de valorizar a Ciência.
Tivemos algum contato até cerca de 2006. Depois voltamos a nos encontrar por meio do LinkedIn e, desde então, temos conversado com bastante frequência e consolidado uma amizade muito prazerosa e edificante. Em 2014, quando fui convidado para palestrar no Congresso Nacional de Robôs de Investimento, e o organizador do evento me perguntou se eu podia indicar mais pessoas para apresentar conteúdos de alto nível, os primeiros nomes em que pensei foram o Tadeu Ferreira, Ph.D. em Estatística pelo Instituto Fields, que havia me convidado para ministrar uma palestra no Instituto Fields sobre learn machine aplicada a investimentos, e o Renato P. dos Santos. O Tadeu infelizmente não conseguiu preparar material dentro do prazo, mas o Renato, embora tivesse passado por um sério problema de saúde com o descolamento da retina, no último dia conseguiu improvisar uma excelente palestra, que está disponível no meu canal do YouTube: https://youtu.be/sOV0X_eWlyg
Ao longo de sua carreira, o Renato contribui como pesquisador, como orientador para estudantes de doutorado e mestrado, além da formação de milhares de alunos de graduação e dezenas de milhares de leitores que se beneficiaram com seus artigos de divulgação científica. É um histórico digno de muito reconhecimento, pois contribuiu extraordinariamente para o desenvolvimento pessoal e profissional de milhares de pessoas, contribuiu com a criação de novos conhecimentos em suas áreas de pesquisa, contribuiu para incentivar jovens e adolescentes a se interessar por Ciência, entre muitas outras coisas.
Ao ver a foto dele com essa legenda, pensei imediatamente que eu jamais poderia dizer o mesmo em relação ao Saturno. Meu “trabalho”, se é que pode ser chamado assim, não contribui com quase nada para quase ninguém. O Saturno V não aumenta a produtividade de nada, apenas troca de mãos alguns contratos eletrônicos de pares de moedas. A pessoa que atua na Bolsa de Valores como investidor de longo prazo, embora também não produza nada de forma direta, pelo menos está colocando dinheiro nas mãos de empresários que transformam esses investimentos em benefícios para a comunidade. Dependendo da empresa, fazem o contrário, como empresas de tabagismo, mas em geral as empresas produzem mais benefícios do que malefícios. As petroquímicas podem causar danos à Natureza, mas contribuem para o transporte e para a produção de energia elétrica (nos EUA), de modo que, ao ponderar prós e contras, estimo que a grande maioria das empresas com capital aberto na Bolsa produz mais bem do que mal, então os investidores de longo prazo acabam atuando como fomentadores desses benefícios. Mas o Saturno V não opera dessa forma. O Saturno faz operações que duram poucas horas ou dias, não é tempo suficiente para que o dinheiro aplicado seja utilizado em benefício da empresa ou país. Além disso, o Saturno não negocia ações de empresas, mas sim pares de moedas, e com isso acaba não contribuindo com nada.
Em 1995, um amigo que havia assistido a algumas de minhas simultâneas de Xadrez às cegas sugeriu que eu me dedicasse a estudar investimentos, porque, na opinião dele, com meu potencial para lidar com problemas complexos e administrar grandes volumes de informação, era um ramo no qual eu poderia ganhar muito dinheiro. Eu não me interessei. Ele insistiu durante alguns dias nisso, mas deixei claro que a ideia não me agradava. Por ironia do destino, em 2004 acabei sendo levado ao mundo dos investimentos por um caminho inusitado. O amigo Roberto Venegeroles, que na época estava concluindo seu doutorado em Física na USP, prestava consultoria à maior editora de Psicologia do Brasil, e eles estavam há alguns meses enfrentando alguns problemas para a normatização da versão brasileira do WAIS-III, então ele me indicou para a diretora de pesquisa, Dra. Silésia Delphino Tosi, que havia feito o doutorado dela na USP justamente sobre o WAIS e é uma das maiores especialistas da América Latina sobre o WAIS. Ela entrou em contato comigo e agendamos uma reunião. Logo que cheguei, ela descreveu o problema e, durante a própria entrevista, já descrevi como o problema deveria ser resolvido. Houve então uma reunião com o presidente da empresa, Ingo Gunthert, e a partir daí passei a prestar consultoria permanente a essa editora, inclusive desenvolvemos trabalhos para o Exército Brasileiro, para o Detran etc.
Desde que comecei a trabalhar para essa editora, passei a estudar alguns tópicos sobre Estatística que tinham ampla aplicação em muitas outras áreas, entre as quais o Mercado Financeiro. Em 2005, a empresa cedeu uma sala para que eu ministrasse palestras, mas numa ocasião, depois que já haviam cedido o espaço, voltaram atrás, sob alegação de que o Conselho Regional de Psicologia poderia ter alguma objeção pelo fato de eu não ser psicólogo. Era uma justificativa plausível sob o ponto de vista que eles precisavam respeitar as normas burocráticas impostas pelo CRP e CFP, embora fosse absurda se considerasse que eu já havia revisado e apontado mais de 200 erros e inexatidões no livro “Psicometria” do ex-presidente do CFP Dr. Luiz Pasquali, Professor Emérito pela UnB, que me agradeceu pelas correções, elogiou minha iniciativa e comentou que alguns dos erros que eu havia apontado ele próprio já havia percebido e pretendia corrigir numa próxima edição. Além disso, eu achava que como aquela palestra já havia sido agendada, deveria ser mantida, e daí se poderia conversar sobre não dar continuidade, mas me pareceu incorreto terem cancelado e ainda por cima e me comunicado poucos dias antes. Então decidi interromper meu trabalho com eles. Depois disso ainda fui procurado algumas vezes pela Dra. Silésia, para ajudá-la na normatização de um teste, e pelo Ingo, por alguma razão que desconheço, porque ele disse que precisava falar comigo, mas em seguida não deu continuidade.
Após deixar essa atividade, enfrentei algumas dificuldades financeiras, e um amigo me convidou para trabalhar na Petrobrás com reconhecimento de padrões e mapeamento de densidade de probabilidades para prospecção de óleo e gás, onde eu ganharia várias vezes mais do que no trabalho anterior, mas minha visão sobre as atividades dessa empresa não é boa, devido ao impacto que causa ao meio ambiente, e recusei. Ele insistiu, alegando que minha participação poderia inclusive minimizar os danos à Natureza, já que se os furos fossem feitos com maior probabilidade de acertos, haveria menos furos, com menor impacto ambiental. Porém ele não estava considerando que furos com mais acertos gerariam mais lucros, que implicaria maior investimento e mais novos furos. Conversei com minha mãe sobre isso e ela achou que eu deveria fazer aquilo em que eu acreditasse. Não foi uma decisão muito fácil, porque os argumentos do amigo que me convidou eram razoáveis e minha necessidade financeira era grande, mas felizmente consegui tomar a decisão que hoje compreendo como tendo sido a mais correta. Na época eu a entendia como correta sob o ponto de vista ético, mas me parecia um suicídio financeiro. Agora, analisando retrospectivamente, me parece que além de ter sido correta sob o ponto de vista ético, também foi muito mais vantajosa financeiramente, porque em nenhum cenário possível eu teria perspectivas de crescimento financeiro dentro da Petrobrás como posso ter com o Saturno, além do estresse constante ao qual estaria submetido se aceitasse trabalhar em algo que fosse contrário aos meus princípios.
Como eu estava relativamente bem munido com ferramentas estatísticas que poderiam ser usadas no Mercado Financeiro, comecei a ler um pouco sobre o assunto e participar de alguns fóruns sobre investimentos. Essa história já foi contada em meu vídeo “Testagem e avaliação de estratégias de investimento” (https://youtu.be/7xYatLEfp54), por isso não serei redundante.
Foi assim que acabei me envolvendo com investimentos. Acho uma atividade extremamente desafiadora e interessante, sob o ponto de vista intelectual, mas ao mesmo tempo reconheço que é improdutiva e até vergonhosa, porque o dinheiro que ganho com investimentos é o dinheiro que outras pessoas estão perdendo. Não há algo que eu esteja produzindo de forma simbiótica, em harmonia com a Natureza ou com a comunidade. Simplesmente estou tirando de outras pessoas que estão no jogo, mas que não têm muita habilidade para jogar, e realocando esse dinheiro entre meus clientes. É como lutar boxe, em que entro no ringue, causo dor, sofrimento, mutilação e humilhação aos adversários, ganho dinheiro com isso, quem apostou em mim também ganha, mas meus adversários perdem dinheiro, perdem saúde... É uma sensação estranha trabalhar com algo assim, por isso levei bastante tempo até me habituar com isso. Vários amigos já tentaram me convencer de que não é bem assim, dizem que meus artigos sobre investimentos ajudam as pessoas a evitar perder dinheiro, orientando e instruindo, disseminando uma visão científica e transparente sobre a realidade no mundo dos investimentos, bem diferente das fantasias propagadas pela esmagadora maioria que atua nessa área. Dizem que meus artigos ajudam as pessoas a se proteger contra a retórica dos vendedores de ilusões. Talvez meus amigos tenham razão nisso, no sentido de que, embora eu ganhe o dinheiro que outras pessoas estão perdendo, o fato é que elas estão perdendo porque, de certo modo, elas “querem” perder, porque elas escolheram o lado perdedor. Enquanto as pessoas que leram e compreenderam meus artigos, e escolheram o lado vencedor, a estas pessoas eu acabo fazendo bem, não apenas pelo lucro monetário que acabo lhes proporcionando, mas também por instrumentalizá-las e proporcionar a elas conhecimentos e técnicas que lhes permite dar uma abordagem mais científica a questões cotidianas e tomar decisões mais bem fundamentadas nas mais diversas situações, inclusive sobre questões relacionadas a investimentos. Esse pensamento me motiva a prosseguir.